Admito que tinha baixa expectativa para o documentário “Pelé” colocado á disposição pela Netflix. A impressão inicial era de história repetida. Tudo conhecido: protagonistas, coadjuvantes e até imagens. Mais: a concorrência com “Pelé Eterno” parecia desleal. Pois eis que os realizadores tiraram um coelho da cartola: retratar o casamento do “Rei do Futebol” com o Brasil. E transmitir o conceito de que é impossível dissociar futebol de política e da vida em sociedade. Golaço.
De tudo que já li e estudei sobre o cidadão Edson Arantes do Nascimento podemos dividir a sua carreira em três fases: de 1955 a 1965 quando assombrou o mundo e teve atuações típicas de extraterreno; o fiasco na Copa de 1966, a redenção construída a partir do gol 1.000 no Maracanã em 19968 e a apoteose na Copa do México em 1970; e a reta final de carreira com a despedida da Seleção Brasileira e do Santos e a reinvenção no Cosmos.
O que não percebemos é como o cenário nacional e internacional foi preponderante para a formação do mito. Na sua juventude Pelé foi bicampeão do mundo, fez 58 gols no Paulistão de 1958 e levou o Santos duas vezes ao bicampeonato de clubes. De certa forma Pelé refletia o que o brasileiro vivia nas ruas. O país otimista, para frente, pronto para entrar na era da industrialização, com a bossa nova nas vitrolas e estádios que pulsavam todos os domingos. Pelé era a síntese daquela época de ouro.
Se em meados da década de 1960, existiam duvidas sobre o futebol de Pelé enquanto jogador, isso nada mais era do que um reflexo de um país recém caído na ditadura e sem rumo sobre o seu futebol. Quando o regime endureceu com o AI-5, vem a revelação do documentário: o Pelé humano, frágil, pressionado e que não sentiu alegria por conquistar a Jules Rimet e sim alívio por livrar-se da pressão dos militares.
Ao contrário de produções laudatórias, o documentário expõe as contradições e fragilidades de Pelé perante os conflitos políticos. E o melhor: dá voz para suas explicações e contextualizar suas decisões.
A conclusão construída é que Pelé não foi um alienado. Tomou decisões de modo pensado e planejado. Preferiu construir um legado político, social e esportivo por intermédio dos seus gols, títulos e feitos. O ideal seria que fosse um revolucionário, um diferenciado como Reinaldo, Sócrates, Paulo César Lima, Cantona e Maradona? Pouco importa. Ele quis ser Pelé. Isso bastou. Ou melhor, extrapolou.
(Elias Aredes Junior)