Você olha para um pôster de qualquer equipe e pergunta: quem é o camisa 10? Quem é o craque? Desde a criação da numeração nas camisas, no final da década de 1940, tal número virou sinônimo de técnica, beleza, criatividade e garantia de vitória. O futebol brasileiro não fugiu a regra.
Ao longo do tempo, a camisa 10 foi disputada de maneira ávida por jogadores. A decisão dos treinadores parecia intrincada, difícil diante do leque de opções. Em outras oportunidades, como a fera decidia apostar em outro numero, o caminho estava aberto. Basta recordar a 11 de Romário, a sete de Garrincha e por ai vai.
Ao entrar na máquina do tempo, verificamos que quem vestiu e se incumbiu de tal responsabilidade não queria mostrar ao mundo apenas talento. Era uma tradução em carne e osso de um tempo, de uma época do futebol e de seu entorno. Explicava as vitórias ou derrotas.
DÉCADA DE 1950: O COMEÇO DA MÍSTICA
Em 1950, a Copa realizada no Brasil tinha Jair da rosa Pinto como detentor da honraria. Jogou 43 partidas pela Seleção e fez 23 gols. Sua presença como camisa 10 daquela seleção confirmou o domínio do Vasco da Gama.
Jair jogava pelo Palmeiras na época do Mundial, mas tinha sido campeão entre 1945 e 1947 com o “Expresso da Vitória”, utilizado como alicerce do elenco montado por Flávio Costa. Jair da Rosa Pinto representava o domínio carioca e mais, a prevalência de uma única equipe no escrete.
Quatro anos depois,o atacante Pinga ficou com a 10. Jogador do Vasco, o canhoto não teve grande exibição na competição, assim como todo time brasileiro, a primeira com a camisa amarela. A branca foi aposentada após o vice-campeonato em 1950. Pinga fez dois gols diante do México e a história comprovou que assim como aquela seleção de 1954, Pinga foi um jogador de transição antes do aparecimento de alguém que mudou a história do futebol.
PELÉ, O SOBERANO
Este atende pelo nome de Edson Arantes do Nascimento. Pelé. Dono absoluto da camisa 10 nas copas DE 1958, 1962, 1966, 1970. Ganhou três de quatro mundiais. É bom que se diga. Em 1958, a 10 lhe caiu por acidente, pois quem registrou junto a Fifa não tinha a mínima noção da numeração dos jogadores.
Com 17 anos, Pelé já tinha o destino como parceiro. Com o passar do tempo, os 1283 gols, o bicampeonato mundial interclubes, o fato de forçar a criação de uma posição – o cabeça de área- apenas reforçaram a mística tanto da camisa como seu detentor, eleito o melhor da Copa de 1970. Merecidamente.
Quatro anos depois, na Alemanha e em 1978, na Argentina o cetro ficou com Roberto Rivelino. Uma escolha justificada pelo talento e também pela conjuntura. Dono de dribles desconcertantes, Rivelino foi o campeão de mundo em 1970 e carregava a esperança do Corinthians, cuja torcida fanática lutava para quebrar um jejum de títulos. Após a perda do Paulistão de 1974, juntamente com o quarto lugar no Mundial, Rivelino reinventou-se duas vezes.
A primeira ao transferir-se ao Fluminense e virar o condutor da “Máquina” imaginada pelo então presidente Francisco Horta. Depois, por conseguir transferir-se ao futebol árabe. Sua presença no banco de reservas na copa da Argentina era, entretanto, um sinal do abandono do futebol arte pelo pragmatismo de resultados de Cláudio Coutinho.
ZICO, O REPRESENTANTE DE UMA GERAÇÃO DE OURO
Copa da Espanha. Deveria ser o coroamento de uma geração supercampeã no Flamengo. Seu símbolo era Artur Antunes Coimbra, o Zico. Campeão da Libertadores de 1981, campeão Mundial Interclubes de 1981, campeão nacional de 1980 e 1982. Uma máquina de futebol.
Nada mais natural que Zico, seu líder técnico, envergasse a camisa 10 do escrete canarinho de Telê Santana. Na Copa do México, Zico voltou a vestir a 10, sem brilho. A escolha era justificada pelos bons resultados no Flamengo e pela boa performance na Udinese. Zico representava a primeira geração de atletas brasileiros que desbravou o futebol do exterior. Ao todo, fez 88 jogos e marcou 66 gols pela Seleção em jogos oficiais.
Na Copa da Itália, vieram ao Brasil os esquemas táticos moldados ao futebol europeu. A ênfase defensiva ganhou corpo com a chegada dos três zagueiros e o meio-campo com Dunga e Alemão. Resumo: Silas, camisa 10, vinculado na época ao Sporting (Port) e um dos protagonistas dos “Menudos do Morumbi” em 1985 ficou na reserva durante a Copa. Injustiça.
Para carimbar a vaga para a Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, Carlos Alberto Parreira passou sufoco nas eliminatórias. Quase foi eliminado. Escapou graças ao talento de Romário no jogo decisivo contra o Uruguai. Não abriu mão de Raí, astro do São Paulo nos títulos da Libertadores e do Mundial Interclubes de 1992 e 1993. Sua colocação no banco na Copa de 1994 representou a vitória da força defensiva contra a plástica e a beleza do futebol representados por Telê Santana no São Paulo e por Raí, que após dois jogos como titular, perdeu a posição e amargou o banco de reservas.
RIVALDO, UM ASTRO CATAPULTADO PELO BOOM ECONÔMICO DO FUTEBOL NACIONAL
A volta de conquista detonou um investimento de sem precedentes no futebol brasileiro. As equipes investiam sem pudor e formavam times que eram constelações. Como esquecer do Palmeiras Parmalat de Luxemburgo e de Felipão? E do Corinthians embalado pelo Banco Econômico?
Rápido, certeiro nas conclusões, habilidoso e voluntarioso, Rivaldo foi um dos símbolos deste período. Jogou no Corinthians, é verdade, mas foi no Palmeiras milionário que se afirmou e ganhou estrelato. Não há duvida que isso ajudou para obter a camisa 10.
Em 1998, decidiu jogos importantes, como as quartas de final contra a Dinamarca. Na Copa da Coreia e do Japão, em 2002, já laureado como melhor do mundo em 1999, o garoto pobre do nordeste fez gols emblemáticos contra a Bélgica nas oitavas de final e diante da Inglaterra nas quartas-de-final.
Rivaldo foi a síntese de um atleta forjado e projetado positivamente pelo poder econômico, modelo que se aplica a Ronaldinho Gaúcho, o camisa 10 na Copa de 2006 na Alemanha e que fracassou juntamente com Adriano, Ronaldo e Kaká após o gol de Thierry Henry, que assegurou a vitória francesa nas quartas de final.
Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo juntamente com Roberto Carlos e Ronaldo pareciam um tipo cada vez mais raro: pobres, oriundos de baixo e que venceram graças ao pé de obra.
KAKÁ, A EXPRESSÃO DA VITÓRIA DA CLASSE MÉDIA NO FUTEBOL
Aos poucos, os clubes deram espaço nas categorias de base, para atletas provenientes da classe média e das escolinhas de futebol. Muitos com um plano de carreira na cabeça. Tal descrição cabe com Justiça em Kaká, melhor do mundo em 2007 e camisa 10 na Copa da África do Sul. No fundo, Kaká representava também o perfil do time de Dunga: disciplinado, obstinado e eficiente. E por vezes sem brilho.
A derrota para a Holanda deixou o pais desnorteado. Sem rumo. Inexistência de referência técnica. O aparecimento de Neymar no Santos, suas conquistas, como a Copa do Brasil de 2010 e a Libertadores de 2011 fizeram com que o atleta assumisse a dianteira do papel principal. Foi o camisa 10 nas Copas de 2014 e agora em 2018.
Na edição do mundial no Brasil, o jogador fazia um bom Mundial e conduzindo o Brasil até sofrer uma forte entrada de Zuñiga contra a Colômbia. Escapou da humilhação contra a Alemanha. Hoje, Neymar é a principal referência técnica de Tite. Encarregado de ser a estrela da companhia ao lado de Phillipe Coutinho e Gabriel Jesus. Tem um adversário poderoso: a força midiática que lhe acompanha e cobra cada atitude ou gesto. Não pode vacilar. É o desafio principal. Se triunfar fará jus a uma camisa responsável pelas maiores glórias do futebol brasileiro.
(ensaio especial de autoria de Elias Aredes Junior/foto: Rodrigo Villalba)