Jornalistas Esportivos: quando existirá posicionamento sobre os malefícios das apostas esportivas?

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Brasília (DF) 06/06/2024 Wilson Luiz Seneme, presidente da Comissão de Arbitragem da CBF, e Hélio Santos Menezes Junior, diretor de Governança e Conformidade da confederação durante depoimento na CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas Foto Lula Marques/ Agência Brasil

A notícia atropela. Passa por cima. Fatos excepcionais geram comoção e perplexidade. O sentimento é presente na decretação de prisão do cantor Gustavo Lima e a investigação das negociações de um site de aposta esportiva. Que virou pauta dos jornais e veículos sérios. Não por razões honrosas e sim preocupantes: virou uma questão de saúde pública. Testemunhos são enfileirados a respeito dos males causados. Apostar virou um tormento. Seja para adivinhar quem fará o primeiro gol, quem tomará cartão amarelo ou qual jogador poderá produzir o maior número de faltas. Aposta-se de tudo. A qualquer hora e minuto. O assunto é urgente. Grave. É capaz de produzir uma pergunta: qual o posicionamento dos jornalistas esportivos sobre o tema?

Não dá para tapar o sol com a peneira. Os sites de apostas esportivas se transformaram na principal fonte de patrocínio de clubes e de emissoras de rádio, televisão e sites especializados. A oferta é ampla. Infinita. Nas camisas dos clubes das Séries A e B, o espaço nobre é ocupado por essas empresas em processo de  regulamentação. Nada de bancos ou lojas de eletrodomésticos estampadas na maioria das camisas mais valiosas do Brasil. O torcedor assiste jogos para acompanhar o seu time e apostar. E o incentivo principal vem na tela, com uma infinidade de ofertas de sites. É o futebol alimentando o vício que lhe sustenta.

Reconheço que o mercado de trabalho do jornalismo está difícil e fechado. As vagas nas principais empresas de comunicação estão escassas. Os salários, na maioria das vezes, não agradam. Anunciar sites de aposta esportiva virou um ato de sobrevivência. Só que não vou falar da parte financeira. Eu quero falar da responsabilidade do exercício da profissão de jornalista.

Não vou exigir tal atributo de influencer´s ou gente que hoje opina sobre futebol e não tem qualquer formação acadêmica. Se alguém é ignorante em determinado assunto eu não posso exigir excelência.

Agora, qualquer jornalista formado sabe que temos o compromisso com a informação, responsabilidade e ética. Informar com decência a sociedade. Alertá-la quando ela pode ser acometida de desafios que, se não forem atacados, podem gerar consequências nefastas.

Alguém pode alegar: o que os jornalistas podem fazer se as apostas esportivas são o ganha-pão das empresas e deles próprios? Medida simples: a cada anúncio reforcem os avisos sobre os malefícios. Fazem com cigarro, bebida alcoólica. Por que não devemos ser enfáticos nas apostas esportivas? A cada previsão de aposta que os jornalistas alertem de que o ato de apostar em excesso pode gerar danos a saúde; as empresas, por sua vez, deveriam restringir o número de oportunidades em que o patrocinador é citado. O ideal seria que não existissem as apostas esportivas? Concordo. Só existe uma diferença entra aquilo que desejamos e a realidade existente. A hora é de redução de danos. Imediata. Observação importante: reconheço que muitas vezes jornalistas são funcionários de emissoras que inundam sua programação com sites de apostas esportivas. Eles não tem controle sobre o assunto. Mas podem pressionar por dentro para modificar este estado de coisas. Muitos querem adotar tal postura. Acreditem.

O jornalismo esportivo já foi destruído em boa parte de seu espírito crítico quando ocorreu a proliferação dos merchan´s. São inevitáveis na atualidade? Concordo. Só que faço uma pergunta: quantos jornalistas que faziam os merchan´s que se colocaram de modo frontal contra a corrupção e os desmandos existentes nas estruturas de poder dos clubes e das federações e CBF? Para ser otimista, salvem-se poucos. Pouquíssimos.

É sobre disso que se trata. Abraçar o entretenimento sem viés critica e proliferar as apostas esportivas sem atentar aos desdobramentos na saúde pública é abrir a porta de vez para que o jornalismo desperdice o pouco de resta de sua capacidade de fiscalizar e denunciar o poder. Jornalismo melífluo é a antessala da ruína do futebol. Algo precisa ser feito. Antes que seja tarde.

Em tempo: tenho um site de pequeno porte em que falo sobre Ponte Preta e Guarani,, O Só Dérbi. Sou procurado todas as semanas por sites de apostas esportivas para anunciar. Recuso todas as ofertas. Não é moralismo. É ter zelo em preservar os preceitos da profissão. Assim como agradeço a emissora em que trabalho, a Rádio Brasil Campinas, pertencente a Arquidiocese de Campinas que, por orientação editorial e comercial, não aceita anúncios de sites de apostas esportivas. Ainda é possível acreditar no futuro.

Elias Aredes Junior é jornalista