Guarani, reta final de Série B e as recordações de um tio querido

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Pobre daquele que não consegue interligar o futebol com a vida. Quem não aquece o coração com um grito de gol ou uma vitória inesquecivel. Ao ver imagens e fotos do extase da torcida bugrina, o meu coração virou novamente de uma criança. Alegre, esperançosa, com pureza e inocência. Que sempre viajou e foi levado pelas mãos daqueles que amava para os caminhos de sonhos e de jubilo de futebol.

Tive alguns guias nesta estrada. Não consegui tirar um nome da cabeça: Samuel Pompeo. Meu tio. Irmão da minha falecida mãe. Já escrevi sobre ele. Mas não deixo de retratá-lo. Criado em um lar evangélico, era um brasileiro comum. Gostava de samba, futebol, do carnaval de rua da Avenida Francisco Glicério. Assim com qualquer pessoa falha tinha seus fantasmas. Quase foi derrotado pelo alcoolismo. Um dia parecia que não tinha jeito. Uma noite de domingo, ao sairmos de uma cerimônia religiosa, eu, minha irmã e meus pais e eu o encontramos jogado na rua José Paulino. Parecia o fim.

Duas coisas o levantaram: a paixão pelo Guarani e por Graça, uma mulher negra, que do seu jeito e modo lhe amou intensamente. E lhe proporcionou dignidade. Quando ela faleceu, meu tio não teve mais forças. Morreu em 2004, durante um jogo amistoso da Seleção Brasileira. Quando eu e minha mãe fomos a sua residencia na Vila Formosa, o boneco de borracha do Guarani tinha um posicionamento quase santificado, colocado em um altar.

Tio Samuel tinha seus deuses. O Guarani era a sua biblia. Durante o ano de 1981, ele sempre aparecia na residência de meus pais, no Jardim Amazonas. Fazia tudo quanto é bico: marceneiro, carpinteiro, pintor, pedreiro. Nos intervalos entre um serviço e outro, ele tentava catequizar o garoto de oito anos para a sua religião. Tinha o seu deus preferido: João Mendonça. Contava as peripécias do negro esguio e destemido que fuzilava os oponentes. Um craque transformado em lenda. Pelas palavras de alguém comum, gente como a gente.

Tio Samuel era pobre. Mas era digno. Reto. E amava o futebol sem pedir nada em troca. Só queria alegria.

Quando assisto aos jogos do Guarani nesta reta final da Série B do Brasileirão minha mente tenta imaginar como estaria hoje aquele batalhador tipicamente brasileiro e que só queria um naco de felicidade.

Se o Guarani conseguir o acesso, eu sei o quanto ele estará feliz. E certamente ficará ainda mais satisfeito por saber que seus irmãos de alma e sangue verde estarão com a nitida sensação de que é possivel sonhar de olhos abertos.

Nos ultimos de vida, toda vez que me encontrava, tio samuel sempre começava a prosa com uma singela pergunta: “Ei Juninho, e o bugrão hein? Será que vai dar?”. Ah querido tio. Eu acho vai dar sim. Basta acreditar.

(Elias Aredes Junior-com foto de Thomaz Marostegan-Guarani F.C)