Sou jornalista esportivo. De corpo e alma. Nas 24 horas do dia. Acompanho e analiso os fatos relacionados a Guarani e Ponte Preta e das outras praças. Confiro o trabalho das rádios e veículos de comunicação cariocas, mineiras e gaúchas, assim como o comportamento de suas torcidas.
Por que? São locais com semelhanças em relação à Campinas. Especialmente Belo Horizonte e Porto Alegre, sedes de duas rivalidades intensas.
Nestes locais, existe um cardápio. Emissoras e veículos de comunicação independentes e aqueles que trilham o caminho da bajulação tanto do clube como da torcida. Independente do modelo editorial, as torcidas utilizam os canais de comunicação. Em Porto Alegre, por exemplo, as Rádios Gaúcha, Grenal e Guaíba tem relação próxima com os torcedores e estes aproveitam para encaminhar as reivindicações aos dirigentes, sempre prontos a esclarecer e dirimir dúvidas.
Nestas três cidades citadas, oito clubes (Cruzeiro, Atlético Mineiro, Grêmio, Internacional, Flamengo, Vasco, Botafogo e Fluminense), apesar dos seus problemas, falhas e conflitos no dia a dia com os setoristas, tem um conceito presente: a prioridade em abastecer a imprensa com informações. Tratar bem. Não para receber algo em troca e sim por entender que este é o elo para esclarecer e tratar o torcedor como ele é e merece: um consumidor, com direito de receber esclarecimentos. Se determinado profissional não aproveita a conjuntura, problema dele. Os clubes fazem sua parte.
Ponte Preta: boa campanha no Brasileirão e clima tenso. Como explicar?
Pense. Reflita. A Ponte Preta faz boa campanha no Brasileirão. Tem 23 pontos, está na sétima posição, cumpre desempenho notável e o clima entre arquibancadas, dirigentes, jogadores e jornalistas não é o ideal. Por uma série de fatores. A torcida está brava, quer a ambição como ordem do dia e a cada derrota o caldeirão parece prestes a explodir.
Por que? Qual o problema? Um dos fatores que atrapalha o “casamento” entre diretoria e torcida é que o clube enquanto instituição encontra-se com reservas e joga na retranca com a imprensa local. E nem entra para bater bola com as arquibancadas.
Você pode alegar: ah mas as coletivas são realizadas, os profissionais são atendidos. Verdade. O protocolo é seguido a risco. Este é o problema: parece algo forçado, obrigatório, feito sem prazer. Pior: sem entender aquilo que é o primordial. A imprensa é um intermediário na formulação da opinião pública, apesar do advento das redes sociais. É ela que gira o mundo do negócio da bola. A Rede Globo é vital e fundamental para o sustento do futebol enquanto produto. Só que é a emissora local, o jornalismo fincado no próprio município aglutina e provoca o debate. Não sou eu que digo isso. Qualquer professor de Faculdade de Comunicação reconhece tal conceito. Sabe disso.
Após 20 anos no poder, o atual grupo político que comanda a Ponte Preta exibe dificuldades para compreender que jornalista não pode e não deve ser torcedor. E que torcedor é, antes de tudo, um patrimônio do clube e seus sentimentos devem ser respeitados. O torcedor quer disputar o título? O sonho dele deve ser assimilado. Não é com adoção de táticas de desânimo e ceticismo com a imprensa que a opinião das arquibancadas vai mudar. Pura ilusão. E a diretoria pontepretana, o staff ao redor da comissão técnica parecem querer viver de ilusão. E gostam. Infelizmente.
Treinadores de sucesso na Ponte Preta: canal aberto com a torcida e a imprensa
Mais: reparou que os últimos treinadores que foram exitosos dentro da Ponte Preta são aqueles que nutriram ótimo relacionamento e credibilidade com a torcida e imprensa? Não force a memória. Eu digo os nomes: Oswaldo Alvarez, Guto Ferreira, Jorginho e Gilson Kleina. Estudiosos e profissionais, tais técnicos encaravam a entrevista coletiva não só como algo que poderia ser usado pelo adversário, mas uma conversa com o torcedor. Hora de explicar porque jogar com três volantes, o que levou a promover determinação substituição…Tudo sem amarras e reservas.
Detalhes: todos eles davam treinamentos secretos. Guto Ferreira chegou erroneamente a concordar com o fechamento de atendimento à imprensa na semana de um jogo contra o Goiás. Apesar disso, a conversa era franca, aberta, sem amarras. O saldo foi positivo. Tanto para quem trabalha na área de imprensa como para as arquibancadas. Tanto que os quatro profissionais citados, em maior ou menor grau contam com defensores entre os torcedores.
Lembre-se que quem apostou em um relacionamento distante, frio e protocolar tanto com dirigentes como os profissionais de imprensa não deixou saudades ou uma marca forte perante as arquibancadas. Ou Paulo César Carpegiani era um mar de simpatia? Pois é.
Informação truncada produz gol contra para o clube e aumenta ressentimento na arquibancada…
Com 22 anos de estrada no jornalismo, sou capaz de detectar a frustração e a decepção de amigos e colegas de ofício. Trabalhadores dignos e que ficam com a sensação de exercerem suas funções pela metade. Alguns apaixonados pela Ponte Preta sim. Mas antes de tudo dignos, honestos e que desejam apenas dois sonhos: informação clara e objetiva e serem bem tratados. Por outro lado, entendo a angústia da torcida, ávida por informações e planejamentos claros e o estabelecimento de uma relação focada na parceria e na ambição. Na atualidade, os dois elos estão trincados na Macaca. Não por culpa da torcida e nem dos jornalistas.
Creio na liberdade de imprensa, na circulação de informações e no livre exercício da democracia. Por isso, acalento decepção ao testemunhar a eloquência de dirigentes e profissionais da comissão técnica pontepretana com veículos de outros estados e a resistência em esclarecer e atender um profissional campineiro que tem a missão de levar ao torcedor o que ele mais deseja: notícias do seu clube. Além de vitórias, é claro.
Futebol é de todos, para todos e com todos
Se chegou até aqui pode ainda encontrar-se em dúvida sobre a validade desta reflexão. Não seja cético ou acalente a dúvida. Sob uma perspectiva histórica, a imprensa transformou o futebol em uma máquina de ganhar dinheiro. É a imprensa que transforma ídolos e eterniza jogadas, gols e feitos inesquecíveis. São os meios de comunicação que proporcionaram que Dicá fosse reconhecido como o maior jogador da história da Ponte Preta, não somente por sua torcida, mas pelo país inteiro. Seu legado foi amplificado graças aos seus gols e também ao trabalho de centena e milhares de profissionais de imprensa.
Foi a imprensa que eternizou em imagens e textos um estádio do Pacaembu lotado com 30 mil pontepretanos na final da Copa Sul-Americana diante do Lanús. A imprensa tem erros? Falhas? Equívocos? Profissionais, bons, ruins e mal intencionados? Tudo isso é verdade. Só que também é verdade que nas horas boas e ruins é a imprensa local responsável em expor a marca da Macaca e assegurar que os patrocinadores estejam presentes na camisa da alvinegra.
A torcida é fundamental nesta conta. É a razão de ser e de viver da Macaca. Pobre, rico, engenheiro, advogado, arquiteto, faxineiro, profissional liberal ou desempregado. Todos fazem parte de um quebra cabeça cuja moldura traz orgulho, amor e determinação. Não pode ser abandonada ao segundo plano. Não deve ser vitima de qualquer processo de elitização. Deve sim ter o seu relacionamento estreitado não só pelas redes sociais, mas por intermédio dos veículos de comunicação e de vitórias e planejamento sintonizado com o sentimento de quem até tira o pão da boca para acompanhar a Macacaquinha.
Hora de ponderação
Dirigentes, jogadores e integrantes da comissão técnica da Alvinegra deveriam abaixar as armas. Entender que a história é formada de vitórias isoladas. A Ponte Preta comporta-se na atualidade como um casal que promove a festa de aniversário de seu filho, pede a presença do fotógrafo para registrar o evento e dos parentes para comemorar.
Só que na hora de assoprar as velas e cantar os parabéns, todos ficam do lado de fora. A casa está trancada e sem chave disponível. Festa boa é festa inclusiva, cheia de amor e solidariedade e nunca de posse de alguns. Esta é a caracteristica da Ponte Preta. Um clube que transformou o futebol em algo de todos, com todos e para todos. Fica a dica.
(análise feita por Elias Aredes Junior)