Análise: o futebol brasileiro não pode abrir mão do talento e sensibilidade das mulheres

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O fato mais importante do futebol brasileiro deste final de semana teve uma mulher como protagonista. Cuca, técnico do Athlético-PR, aproveitou a entrevista coletiva após a goleada sobre o Londrina, válida pelo Campeonato Paranaense, para fazer um pronunciamento.

Reconheceu de modo contrito que o episódio de Berna precisava ser encarado e que o combate a violência contra a mulher deveria fazer parte das prioridades não somente do futebol mas da própria sociedade. Prometeu mudar. Melhorar. Só que a pérola (no ótimo sentido) estava no começo da declaração escrita: “(…)Tenho escutado as opiniões e tentado entender o meu papel. No começo do ano li uma coluna da Milly Lacombe, do UOL, em que ela disse que isso não era sobre mim. Eu entendi o que ela quis dizer. Não é SÓ sobre mim, mas é sobre mim também. Eu escolhi me recolher durante muito tempo, mas consegui seguir a minha vida, enquanto uma mulher que passa por qualquer tipo de violência não consegue seguir a vida dela sem permanecer machucada, carrega o impacto para sempre. Eu consegui seguir minha vida. O mundo do futebol e o mundo dos homens nunca tinha me cobrado nada, mas o mundo está mudando e eu acho que é para melhor(…)”.

Prestem atenção. Cuca mudou sua visão e opinião sobre um fato de seu passado devido ao comentário de uma mulher. Quantos homens nestes últimos 36 anos não abordaram com ele o tema e o argumento não foi assimilado. Precisou que uma mulher, apaixonada por futebol, louca por uma sociedade mais justa e igualitária, lhe despertasse para algo fundamental: a de que ele estava no caminho errado e que a luta das mulheres não é apenas delas e sim também de nós, homens. Cuca incluído.

Peguei tal cenário e pensei o quanto o futebol brasileiro perde tempo ao desprezar o talento, sensibilidade e visão de futebol acalentado na mente de milhões e milhões de mulheres no Brasil, vítimas de um machismo estrutural e corrosivo.

Querem um exemplo? Temos 20 clubes na divisão principal do futebol brasileiro. Outros 20 times na Série B. Só uma mulher na direção de um clube, Leila Pereira, no Palmeiras. Para constatar a discrepância basta dizer que de acordo com estudo da empresa Grant Thornton, o número de mulheres em cargos de liderança no Brasil é de 38%. Sim, é pouco, mas se levarmos em conta a realidade das principais divisões do futebol brasileiro, o quadro é dramático, pois apenas com o Palmeiras sendo presidido por uma mulher, o índice é de presidentes do sexo feminino é de 2,5%.

Quer outro sinal de machismo estrutural e de desperdício? Não há notícia de nenhuma mulher que exerça o cargo de executiva de futebol. Uma prova da falta de oportunidades para as mulheres comandarem os departamentos de futebol profissional, seja no masculino e no feminino, está no fato de que no site oficial da Associação Brasileira de Executivos de Futebol (ABEX), a página dedicada a registrar os profissionais filiados a entidade, empregados ou não, 104 nomes são encontrados. Nenhuma mulher. Repito: nenhuma mulher associada.

Talvez a CBF, os clubes de futebol ou o mercado ainda não se deram conta da importância de dar voz e vez às mulheres dentro do futebol. Espaços que foram abertos para narradoras, comentaristas, repórteres e que precisa ser expandido. Para que elas sejam ouvidas. E que isso proporcione uma revolução silenciosa no futebol brasileiro. De hábitos, procedimentos e costumes. O que impede uma mulher de comandar um Departamento de Futebol Profissional? Por que técnicos podem comandar equipes femininas e o inverso não é registrado? Pense, reflita.

A consequência de uma maior porcentagem de mulheres nos espaços de decisão do futebol será inevitável: uma visão moderna será implementada. Que Cuca seja o primeiro a ouvir e a mudar a partir de uma opinião de uma mulher. É um caminho para dar jeito no combalido e carcomido futebol brasileiro. Que é de todos. De homens e mulheres.  

(Artigo escrito por Elias Aredes Junior- Foto Arquivo CBF)