Análise: Thiago Carpini, categorias de base e a tarefa de fugir do senso comum para resolver problemas complexos

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A entrevista coletiva concedida por Thiago Carpini deu o que falar. Repercutiu. Não por causa de suas palavras a respeito do jogo contra o Oeste de Itapólis, nesta sexta-feira, às 19h15 mas sua visão a respeito das categorias de base.

Sua fala pode ser dividida em duas partes.

Na primeira, o conceito emitido foi o seguinte: “Acho que precisamos tratar hoje o atleta da base, não só aqui no Guarani, mas em todos os clubes, que o profissional não é transição, é merecimento. Transição é sub-15, sub-17. Se você analisar friamente, e isso não é direcionado exclusivamente à base do Guarani, uma equipe que não passa da Copinha com XV de Jaú e Serra-ES, com todo respeito, não era para subir ninguém. Na minha época ninguém subiria”, disse.

Nesta frase não existe qualquer objeção para a avaliação do treinador bugrino. Avaliação correta. Subir jogadores que fracassaram na principal competição de base do Brasil é uma premiação às avessas. É passar pano para a incompetência. E não falamos de resultado apenas e sim de desempenho. Foi ruim. Decepcionante. Neste caso, a crítica é pertinente.

Com uma ressalva: a análise deveria ser  feita internamente e para os responsáveis pelas categorias de base, que em ultima análise são os responsáveis pela montagem da equipe e da infraestrutura colocada à disposição.

Carpini foi além. Ele analisou o comportamento dos jovens atuais e não perdeu tempo. Criticou sem dó. “O cara da base tem que sonhar jogar no Guarani, tem que estar lá na arquibancada assistindo quando o profissional está em campo. Eu ainda sou um pouco da antiga, quando o atleta da base esperava o profissional sentar no ônibus para ver o lugar que ia sobrar. Hoje eles sobem com fone sem fio, colocam o pé em cima do banco. Existe uma inversão de valores. É tomar cuidado para não prostituir a base e esses garotos e formar atletas e cidadãos”, analisou.

Á primeira vista, a frase dita por Carpini é um prato cheio para aplausos e apupos. No entanto, esconde um conceito empírico e de lugar comum. Já tinha feito uma análise prévia no “Brasil Esporte Clube” e ouvintes protestaram. E com o mantra de que os mais novos devem aprender com os velhos. Pois é. Mas e quando o mais experientes for um canalha? O que vai ensinar? Detalhe: considero que Carpini tem e pode ensinar muitas coisas positivas. Mas não é assim em todos os clubes.

Fato é que quando falamos de categorias de base falamos de educação. E educar não é uma tarefa fácil. É complexa, demanda tempo e paciência para captar detalhes que podem ser decisivos.

Para quem tem mais de 40 anos (e eu me incluo nessa conta) é confortável descer o sarrafo e condenar todo e qualquer comportamento de um jovem de 15 ou 20 anos. Mas estamos prontos para ouvi-los? Temos capacidade de compreender o mundo deles? E de entender o que motiva a esses garotas e garotas a exercerem conceitos simples como respeito, empatia e solidariedade com o próximo? Colocar o pé no banco do ônibus ou falar de forma marrenta com o fone de ouvido não é uma forma de chamar atenção? Não é um pedido para eles sejam entendidos e compreendidos sem qualquer tipo de opressão e repreensão? Sim, porque geralmente quando você pede disciplina você pede opressão e repressão ao próximo. Anulação da sua personalidade. Será que ao fazer isso não desperdiçamos pessoas únicos com talentos singulares? Antes de xingar, pense, reflita.

Achar que o autoritarismo puro e simples é solução para botar um reio nesses garotos é algo que fica noivo do senso comum. Que nem sempre é bom conselheiro.

Não falo apenas do Guarani. Falo de todos os clubes. Quantos oferecem equipes multidisciplinares para auxiliar o jovem que está em fase de transição e ainda tem em suas costas a responsabilidade de carregar a expectativa de dezenas de familiares que querem sair da pobreza e viver dias melhores? Repito a pergunta: quantos clubes?

Dou alguns dados. De acordo com Conselho Nacional de Justiça, aproximadamente 5,5 milhões de crianças não tem o nome do pai no registro. Digamos que alguns desses meninos ou de meninos vire jogador de futebol. Qual a chance dele vir com traumas e problemas emocionais? Não é mais fácil que ele se refugie no telefone celular e abrace a alienação? Não como uma escolha e sim como refúgio de alguém que se sente sozinho.

Segundo dados do Ibope Inteligência, publicados em setembro do ano passado, 100% dos jovens de 15 a 29 anos utilizam os smastphones para comunicação e lazer.

Lógico que testemunhos pessoais são válidos. Evidente que a experiência pessoal não pode ser desprezada. Mas a fala de Thiago Carpini indiretamente exibe uma face cortante do futebol: a dificuldade em  utilizar a ciência, o conhecimento, a psicologia e outras áreas como alavanca para melhoria do trabalho e da melhoria do relacionamento interpessoal. Inclusive para lidar com os jovens.

Impor autoridade e disciplina de forma autoritária pode ser alavanca para resolver problemas em médio e curto prazo. Mas posterga na busca de formar cidadãos, que deveria ser uma das metas das categorias de base. Do Guarani e de qualquer clube do Brasil. Para isso, é preciso fugir do senso comum. Urgente.

(Elias Aredes Junior)

2 Comentários

  1. Atletas nao vao se doarem enquanto verem diretores, de time de futebol de botao como o Guarani, desfilarem achando que sao diretores do Barcelona, e somente o reflexo que eles veem. Ninguem vai se doar pra outro ganhar dinheiro em cima do trabalho deles. Alow 7×1 ta explicado