Como a existência da vaidade e da arrogância e o extermínio do “espirito de boteco” derretem aos poucos o jornalismo esportivo no Brasil

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Nesta terça-feira, feriado nacional, seria um prato cheio para quem trabalha com futebol. Dia de folga, com poucas tarefas para executar e um leque de programas à disposição na TV Aberta e Fechada. Andei por um canal aqui e outro ali e subitamente parava. Navegava em opiniões, análises e logo desistia. Tentei compreender o motivo. O que faz um profissional que cobre futebol recusar acompanhar o objeto de sua análise?

O jogo está errado? Limitação técnica? Falta de interesse? Não acho. Afinal, há tempos o futebol brasileiro vive seus altos e baixos. Ah! E mesmo assim conquista títulos.

Após um período de reflexão, encontrei o caminho. E deixo claro: talvez isso não lhe incomode. Mas para os meus conceitos de vida é fundamental. A explicação encontra-se em duas palavras: vaidade e arrogância. Ao me colocar como espectador talvez encontrei um dos motivos que levaram a perda de credibilidade do jornalismo esportivo brasileiro.

Primeiro é preciso definir as palavras. Vaidade pelo dicionário tem o significado: “valorização que se atribui à própria aparência, ou quaisquer outras qualidades físicas ou intelectuais, fundamentada no desejo de que tais qualidades sejam reconhecidas ou admiradas pelos outros”.

Arrogância? É qualidade ou caráter de quem, por suposta superioridade moral, social, intelectual ou de comportamento, assume atitude prepotente ou de desprezo com relação aos outros”.

Sim, estamos tomados pelo vírus da arrogância e da vaidade.

Todos os dias, em canais abertos ou por assinatura ou nas redes sociais somos tomados por ex-jogadores e comentaristas que vendem análises com a mesma roupa: a de se sentir superior aos próprios mortais torcedores.

Acoplado a isso, o eterno desejo de ser reconhecido e de ser colocado em um pedestal. Pois é. Encontramos algo em comum entre a maioria dos jornalistas que são comentaristas e os ex-jogadores.

O conteúdo oferecido tem duas características: ou é caracterizado por uma linguagem que ninguém entende ou vem acompanhado de frases como “Eu sou”, “Eu fui”, “Eu fiz”, “Eu avisei”. Egoísmo elevado as alturas.

Destruíram a linguagem de boteco existente anteriormente e que era uma das conexões do jornalista e o público.

Não é pejorativo. Na mesa de bar, a sua obrigação é de integração. Você precisa de vinculo com seu interlocutor e a utilização de um linguajar que seja compreensível para o papo fluir.

Que seja acolhedor. Você pode até ser o “papa do futebol” naquela mesa de bar, mas você precisa conduzir a conversa de um modo que produza empatia e faça com que o seu amigo ou novo colega ouça, aprenda e não se sinta constrangido ou fora de sintonia.

O Bar, o boteco, a birosca,  talvez seja um dos espaços mais democráticos do Brasil. Todos, sem exceção, são iguais. Quem não se adaptar as regras é jogado para fora.

Mentira? Aponte um arrogante ou vaidoso que fique sentado no mesa de bar com os amigos e seja bem recebido. Ou que não seja o alvo preferido de chacota.

Esse é o pulo do gato. Um dos dramas centrais do jornalismo esportivo praticado nos grandes centros ou nas cidades de pequeno e médio porte. O espirito “do bar”, a camaradagem e a capacidade de aprendizagem que são oferecidos nestes locais foi jogado na lata do lixo.

Tudo em nome de um jornalismo esportivo certinho, sem erros ou máculas. Ou que sirva apenas de passarela para o “Saber superior”.

João Saldanha foi o melhor comentarista esportivo de todos os tempos não foi por causa do seu vasto conhecimento tático.

Ou em virtude dele saber decor e salteado as escalações de times das décadas de 1940, 1950. Dois foram os motivos: o primeiro motivo de seu sucesso foi sua luta incessante contra o corrupção no futebol, o que gerou empatia perante uma classe média alta que utilizava o futebol como conexão popular. E Saldanha trouxe a informalidade do boteco para o microfone e página de jornais. Com linguagem simples, popular e com uma pitada de elegância. Gênio.

Sou um defensor do conhecimento. Quero a produção oriunda da academia presente no futebol. Mas sem ter a capacidade de ouvir e entender o clamor popular todo o conhecimento vira algo sem nexo.

O jornalismo esportivo brasileiro fala na atualidade apenas para si ou para o contingente da classe A. Detalhe: até na TV aberta. Se tal quadro não for alterado, a tendência é o distanciamento entre público e jornalismo esportivo aumentar cada vez mais. E se isso acontecer não há tuite, post de Facebook ou de instagram que consiga salvar.

(Elias Aredes Junior- foto Blog Unicamp)