Cuca e a derrota para as vozes que não vão se calar

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A contratação de Cuca pelo Corinthians, a revisitação ao escândalo de Berna e a consequente saída do treinador da equipe mais popular do estado de São Paulo, tudo isso mexeu com o jornalismo esportivo. Muitos profissionais colocaram-se a favor do treinador e outros repórteres e colunistas, em uma atitude vigorosa e destemida não pensaram duas vezes e se posicionaram contra a atitude do Corinthians de contar com este profissional.

Cuca teve uma chance de se explicar e não convenceu a opinião pública. Ato contínuo, durante sua saída do Corinthians ele anunciou que contratou advogados para provar a sua inocência no caso ocorrido em 1987. Neste processo, algo chamou minha atenção. Diversas pessoas escreveram nas redes sociais que estranham o fato de que apenas agora, com sua contratação pelo Corinthians, que o caso tenha voltado à tona. O que justifica tal comportamento? O que mudou nestes últimos 35 anos para que a cobrança fosse tão vigorosa?

A sociedade mudou. Os conceitos foram alterados. Os direitos civis são defendidos com vigor. Mas um requisito foi fundamental para esta alteração de ânimos: mulheres e negros trocaram o silêncio com feridas pelo protesto incessante e reparador.

O Brasil é um país forjado no autoritarismo e na violência. Agressões físicas e contra direitos de mulheres, negros, índios e outros grupos viraram rotina. Ontem e hoje. Infelizmente, desde o início do Século 20, mulheres eram desprezadas, violentadas, agredidas e tratadas como adornos por homens, geralmente brancos e sem qualquer noção de cidadania. Alguns utilizam a religião como muleta ao defender que ela deve ser submissa. Distorção bíblica em nome da violência.

Do racismo, então, nem precisamos falar. Não é apenas o preconceito racial na porta de restaurante que produz indignação. Ou o impedimento de que esta parcela da população tenha acesso a direitos básicos como saúde e educação. São os negros que ganham menos, que lotam as penintenciárias, que recebem menores oportunidades e outros revesses que nem precisamos esticar por por estas linhas.

Qual era a resposta de negros e mulheres para esta violação de direitos? O silêncio. A contrição, o esmagamento das condições emocionais e a tentativa de viver de modo digno, apesar das agressões perpetuadas por uma sociedade machista e racista. Que recebia indiretamente o aval do estado, reservado para poucos.

Sim, tivemos avanços, melhoria de condições em um período de 1995 a 2016, que certamente são os anos mais democráticos e fraternos que vivemos, apesar dos problemas e obstáculos.

O  lado contrário deu um primeiro sinal de reação em 2016 com uma estratégia parlamentar bem duvidosa e golpeou uma presidenta legitimamente eleita e deu sua cartada final em 2018, quando elegeu para Presidência da República um deputado com mandato desde 1991 e jamais fez qualquer gesto de apreço a esses grupos discriminados. “Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher fique a vontade”, foi a frase dita pelo ex-ocupante do Palácio do Planalto em abril de 2019. Exemplo de discriminação contra os negros? Só a sua gestão na Fundação Palmares durante o seu governo justifica por si só o seu posicionamento.

Foram tantas atitudes e posturas discriminatórias que, com o passar do tempo, as mulheres e negros, que já se organizavam para lutar por seus direitos e conquistas decidiram elevar o tom de voz. Esses grupos deram um grito de liberdade. Não ficam mais em silêncio. Reivindicam, propõem, combatem desmandos e apontam incoerências vistas na sociedade.

Isto não é mi mi mi. Não é vitimismo. É apenas a postura cidadã de um povo que cansou de sofrer em silêncio. Cuca encarou uma nova forma de ser e de viver da mulher brasileira. Ela quer ser ouvida. Quer ser reparada por tantos anos de feridas. E não admite que nada passe impune.

Se de um lado, muitos consideram normal destilarem preconceitos ou atitudes indecorosas contra mulheres e negros, de algo todos podemos ter certeza: os negros não vão desistir de seus direitos. As mulheres estão prontas para a luta. Tudo para fazer um Brasil melhor e consequentemente um ambiente mais saudável no futebol. Que seja para todos.