Ponte e Guarani não são tão relevantes quanto o torcedor pensa. Mas isso pode mudar. Por Thiago Varella

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Amigo torcedor bugrino ou ponte-pretano não me odeie, mas seu clube de coração não é tão importante ou relevante quanto você pensa. Eu entendo que sua vida sem Guarani ou Ponte Preta perderia sentido. O Santos, meu time de coração e, na minha opinião apaixonada, maior time pequeno do mundo, também é fundamental na minha existência. Mas, na verdade, o futebol sentiria pouca falta caso Ponte ou Guarani desapareçam.
Vou apresentar meus argumentos, mas entendo caso você, torcedor, discorde. O que não me conformo é que as diretorias dos clubes de Campinas não percebam isso. Reconhecer a perda de relevância é o primeiro passo, justamente, para o resgate da importância desses clubes para o futebol brasileiro. Aliás, por que não tornar Ponte e Guarani maiores do que no passado? Campinas é uma cidade mais fundamental do que nunca para o país, muito mais relevante do que várias capitais estaduais. Somos, entre outros exemplos, um centro de excelência em pesquisa e tecnologia. É difícil, mas dá para refletir a pujança de Campinas, nos times de futebol da cidade.
Mas, por que penso que Guarani e Ponte não são tão importantes para o futebol brasileiro? Bem, talvez o principal argumento seja o resultado em campo, claro. Sem títulos relevantes fica difícil se manter importante. Os clubes também não revelam mais tantos craques quanto no passado e, infelizmente, vêm perdendo torcida.
Confesso que me causou espanto uma pesquisa realizada pelo Instituto Atlas, publicada na terça-feira (25) pelo ge.com, portal de esportes da Globo. Realizada via internet, com 1.600 pessoas em 640 municípios pelo país, a pesquisa revela que Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Vasco, respectivamente, possuem as maiores torcidas do Brasil. Até aí, nada de surpreendente. O que me deixou chocado foi o fato de o Botafogo de Ribeirão Preto aparecer na lista como o time de coração de 0,6% da população. Sei que a pesquisa tem margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, mas Ponte e Guarani nem foram citados pelos entrevistados.
Vim morar e trabalhar Campinas há nove anos. Antes disso, passei minha adolescência e vida adulta na Grande São Paulo. Quando morava na Capital paulista e trabalhava em grandes redações da cidade, me lembro apenas de um momento em que um dos times de Campinas, no caso a Ponte Preta, atraiu brevemente a atenção da cidade: quando a Macaca disputou a final da Sul-Americana. Ainda na minha infância/adolescência me lembro vagamente do interesse causado pelo Guarani de Amoroso e Luizão, no já longínquo ano de 1994. É só. Nem mesmo as finais do Paulista de 2012, com o Guarani, e de 2017, com a Ponte, parecem ter causado frisson fora de Campinas.
Infelizmente, essa é a realidade que eu percebo em relação aos grandes de Campinas. Mas, não escrevo esse texto para inferiorizar esses clubes ou seus torcedores. Sou jornalista em Campinas, apaixonado por futebol e torço para ver os dois clubes com torcidas renovadas, brigando por títulos e revelando craques. Mais do que isso, por mais que seja difícil, acho que Guarani e Ponte podem ser relevantes. Sejamos realistas, não acho que seja possível ser importante como um Flamengo ou um Corinthians. Mas Campinas merece e pode ter times mais relevantes do que os clubes de Florianópolis, de Goiânia, de Maceió ou Natal, por exemplo. E, claro, Ponte e Guarani têm, até por obrigação, que ter muito mais torcida do que o Botafogo de Ribeirão Preto, com todo respeito ao clube e à cidade que revelaram Sócrates e Raí.
Por isso, me atrevo a elencar algumas mudanças urgentes que os clubes campineiros precisam adotar para isso. Vou tentar até fugir da obviedade de criar times competitivos, que permaneçam na Série A do Brasileiro, que briguem, no mínimo, por vagas na Sul-Americana e por títulos paulistas. Isso é claro. Mas é possível também agir em outras frentes.
1) Melhorar a experiência do torcedor no estádio
Palmeirenses torcem por causa da raiz italiana, são-paulinos pelos títulos, corintianos pela raça e ligação com a massa e santistas pelos craques e o jogo bonito. Há diversas exceções, é óbvios, mas esses são os ethos dos chamados 4 grandes. Isso é o chamado DNA. E a Ponte e o Guarani? Por que escolher esses dois clubes, fora o fato de agradar o pai ou a família? Porque são os times da cidade.
É muito mais fácil e agradável ir ao estádio do clube da sua cidade. O Barcelona joga bonito, tem craques, títulos e fama, mas ver um jogo no Camp Nou é um sonho quase impossível para a grande maioria dos brasileiros. O Brinco e o Majestoso estão em Campinas. Em regiões centrais da cidade e de fácil acesso. E quem gosta de futebol ama ir ao estádio.
Por isso, os clubes precisam melhorar a experiência do torcedor no estádio. É necessário estacionamento, acesso de ônibus, conforto, comida e bebida boa, entretenimento nos intervalos, preços acessíveis e nenhuma possibilidade de violência. Incentivar a ida ao estádio é ponto fundamental para conquistar novos torcedores.
2) Conquistar as crianças e a comunidade
O Athletic Bilbao é o time basco por excelência. O clube não contrata jogadores que não tenha nascido na região ou, ao menos, tenha ascendência basca. É o clube que une toda uma região espanhola e que investe em escolas de futebol não para criar craques, mas para conquistar pequenos e novos torcedores.
Os clubes campineiros precisam fazer algo parecido. É preciso investir em escolinhas de futebol e em eventos para levar os pequenos e suas famílias aos estádios. Portas-abertas em dias sem jogos, partidas com craques do passado, participação de mascotes em festas e eventos pela cidade. Enfim, uma criança apaixonada por um time vira um torcedor na vida adulta.
3) Investir nas mulheres
Tanto Ponte quanto Guarani parecem ter times femininos apenas por causa da obrigatoriedade. É uma pena. Tenho duas meninas de quatro anos – uma delas já interessada por futebol – que podem muito bem torcer para Ponte ou Guarani, apesar da insistência do pai em convencê-las a serem santistas. Brincadeira à parte, adoraria levá-las a um jogo de futebol feminino para que elas entendam desde cedo que chutar bola também é coisa de mulher. E, a maneira mais fácil de fazer isso, seria encontrar um bom jogo onde vivo.
Investir no futebol feminino pode, também, significar em aumento de torcida – e consequentemente de receita. É até meio básico, mas os cartolas retrógrados parecem não perceber o óbvio.
4) Unir as diretorias
Ponte Preta e Guarani são rivais e se odeiam dentro de campo. Mas, por mais paradoxal que isso possa parecer, um depende do outro. Essa rivalidade é um dos motivos que mantém os times vivos. Afinal, ganhar título é importante, mas ganhar o dérbi é fundamental.
Em tempos de crise, de dinheiro curto e de clubes bilionários enforcando ainda mais os times do interior, unir forças é fundamental. Os cartolas das duas equipes precisam entender que juntos são mais fortes do que separados. Alguns torcedores até gostam de ver o rival em uma divisão inferior, mas a falta de um dérbi faz mal para Campinas. Ver um dérbi na Série A do Brasileirão seria excelente para a cidade.
5) Modernizar a imprensa
Entre e sai eleição e as diretorias de Ponte e Guarani parecem ter parado nos anos 80. Mas, infelizmente, a imprensa esportiva local também estacionou no tempo. Não se vê inovação. Pelo contrário, um debate no rádio realizado em 2023 soa idêntico com o que ia ao ar em 1980. Tenho muito respeito pelas figuras históricas da imprensa campineira. Sim, ouvir um jogo com a voz do Alberto Cesar ou do Batista é algo especial. Mas é pouco. É preciso mais. Queremos ver Ponte e Guarani no TikTok, queremos ouvir podcasts, queremos programas empolgantes, interessantes, informativos e divertidos no rádio e na TV.
Aliás, mesmo os clubes parecem não ligar para isso. Os canais no YouTube e os perfis nas redes sociais de Ponte e Guarani são entediantes e nada inovadores. Uma pena.
Enfim, esses são apenas alguns pontos. Tenho certeza que muito mais pode ser feito. Quero ver um futebol campineiro relevante. Quero estádios cheios, crianças e mulheres torcedoras, craques revelados e, de vez em quando, um título ou outro, por que não? É pedir muito? Talvez seja.
(Artigo escrito por Thiago Varella- Editor Chefe da Rádio Brasil Campinas- Foto de Arquivo CBF)