Encontros Só Dérbi: Peri Chaib, o eterno diretor de futebol da Ponte Preta

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Fazia sol na manhã campineira. Circulava meu automóvel pelas ruas centrais. Algumas com asfalto, outras com pedras. Entro em uma rua estreita. Ferreira Penteado. Aproximo do camelódromo. O estacionamento é simples e digno. A recepção é calorosa. O anfitrião: Pedro Antonio Chaib, o melhor diretor de futebol da história de Campinas.

Tinha visitado uma vez, em 2010, em uma reportagem para o Tododia. Ele não lembra. Dessa vez é diferente. Ele aguardava com expectativa o encontro com o repórter. Recíproca verdadeira. Queria aprofundar-me nesta figura inteligente, sagaz, rápida de raciocínio e com malicia na medida certa. O local é emblemático. O estacionamento recheado de carros e pelo carinho de seus gatos já foi um hotel da família. Abrigo para jogadores da Ponte Preta, seja para concentração ou moradia. O destino já lhe determinou: será pontepretano.

Chaib é uma história a céu aberto. Recepciona com carinho, me oferece um banco feito de ferro (com sabedoria. O repórter não está mais em forma) e senta-se em uma cadeira de escritório, cujo acento está recheado de jornais antigos. É o trono do Rei da bola. Titulo merecido.

Máquina do Tempo

Queria comprovar sua majestade. Protagonista de seu tempo. E eu deveria lhe fornecer tempo para contar sua saga. Não tive problema algum em deferir tal facilidade. Antes, um adendo: chama seu funcionário. Alto, negro, já de meia idade. Simpático e prestativo. Pede que vá a esquina e adquira um copo de café. Que serve aos interlocutores que aparecem aos borbotões. Estacionar o carro não é prioridade. Todos estão ali para ouvir apreciar, deliciar-se com suas histórias.

A mente fica conectada em uma máquina do tempo imaginária. Somos conduzidos a uma Campinas das décadas de 1950, 1960, 1970, 1980 e 1990. Peri não testemunhou a história. Ele fez. Foi engenheiro e arquiteto, apesar de advogado de formação.

Ponte Preta, amor á primeira vista

Começa quando aos 13 anos vestia a camisa do Gazeta, time amador reinante em Campinas por muitos e muitos

Paiva: o volante reconhecido pelo chefe

anos. Relembrou quando impressionou um olheiro da Ponte Preta. Entrou no vestiário radiante. Resultado? Pouco importa. “Realizei meu sonho. Vou jogar na Ponte Preta”, relembrou exultante. Por um instante, não via mais o senhor de cabelos brancos e sim o adolescente em busca do amor a primeira vista.

Atleta, torcedor da Ponte Preta. O copo de café na mão lhe fez relembrar triunfos e fracassos. Dores que em um momento dilaceraram o coração. Depois serviram como elixir da vitória. A final da divisão de acesso, em 1964, disputada em fevereiro de 1965  diante da Portuguesa Santista e o gol de Samarone lhe fizeram produzir a frase profética. “A Ponte Preta só será campeã quando eu estiver lá dentro”. Dito e feito.

O diretor de futebol ousado, matreiro e capacitado surgiu em 1969. Título da divisão especial. Uma constelação de garotos comandados por Roberto Pinto e com Zé Duarte no banco.

Peri Chaib não fala, mas seus olhos brilham. É o time do seu coração. Não esquece das sagas de 1977, 1979, os anos na presidência da Macaca. Só que 1969 não sai do peito. É amor vivido e correspondido. Guarda até hoje a camisa e a faixa do título.

Respostas surpreendentes

Recordações ficam na gaveta. É hora da sabatina. De fazer perguntas pertinentes. De largada: quem foi o craque do segundo jogo da final de 1977? Espero que Dicá seja a resposta. Sou pego de surpresa. “O Dicá fez um gol muito bonito naquele dia (vitória por 2 a 1), mas o que Vanderlei Paiva jogou naquele dia foi uma enormidade”, analisa. Tem uma visão própria dos fatos. Dá absolvição indireta para Rui Rei, expulso por Dulcídio Vanderlei Boschilla no terceiro e decisivo jogo. “O peso principal foi a ausência de Odirlei. Tanto que o cruzamento para o gol de Basílio saiu por ali”, decreta. Ponto final.

O rei sentado no trono improvisado comandou e conviveu com treinadores de ponta. Quis saber qual o motivo

Cilinho: um técnico criativo

para a idolatria em torno de Cilinho. Não é rancoroso ou amargo. Recorda com doçura o profissional com 345 jogos no comando da Macaca. “Certamente é um dos treinadores mais criativos existentes no futebol brasileiro. O seu treino era fantástico. Parecido só vi Vanderlei Luxemburgo”. Não deixa de enaltecer Zé Duarte, técnico campeão em 1969 e comandante do time de 1977. “Ele tinha um comando muito bom e querido por todos. Sem contar que treinava exaustivamente aquilo que deveria ser aplicado no jogo”, afirma.

Dérbi: só duas derrotas em 30 jogos

Dérbi. O clássico. Apaixonante. Vibrante. Equilibrado. Peri Chaib relata a sua preparação. Com 15 dias de antecedência. Queria saber de cada detalhe. Da cozinheira ao segurança. Disputou 30 clássicos. Perdeu apenas dois. E que lhe doem até hoje. O primeiro em 23 de abril de 1978, quando perdeu de 2 a 0 para o rival no Brinco de Ouro, com dois gols de Careca. Depois, o dérbi realizado no Pacaembu, no dia 03 de junho de 1979, em que o Alviverde venceu por 2 a 0. Neste caso, a confissão: é inconformado até hoje com a decisão de Cilinho de sustentar na lateral esquerda Toninho Costa enquanto que Odirlei ficava no banco de reservas. “Verifique que o primeiro gol do Guarani, feito por Capitão foi por ali”, afirma o ex-dirigente.

Experiência e história geraram discípulos. Elogia com entusiasmo o ex-vice-presidente de futebol Marco Antonio Eberlim, assim como Marco Antonio Chedid, hoje no comando do Bragantino e cuja participação é vital para que o dirigente entrasse na Liga de Futebol e promovesse uma revolução.

O mestre

Peri é seguido. O miúdo aparelho celular, encostado em um compensado de madeira não para de tocar. São conselheiros, dirigentes, torcedores e anônimos que desejam uma frase, uma palavra, qualquer vestígio de orientação. A pochete presa na cintura esconde o seu ganha pão: os tíquetes que entrega para aos clientes do seu estacionamento. Homens, mulheres, crianças e adolescentes. Muitos sequer nem sabem que aquele empreendedor tem suas digitais pregadas na história da Ponte Preta e de Campinas.

Armo a despedida. Entro no carro. Não sou de cometer tais desatinos, mas prometo voltar. Cumprirei a promessa. Seria pecado imperdoável ver a história passar na minha frente e desprezá-la. Peri Chaib é Campinas. Peri Chaib é Ponte Preta. E isso basta.

(análise, texto e reportagem de Elias Aredes Junior)