Ensaio Especial: Copa do Mundo e a morte lenta e gradual do jornalismo esportivo crítico no Brasil

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Peço desculpas por antecipação. O artigo será ríspido. Não há saída. Os acontecimentos na Copa do Mundo deixou o Brasil de ponta a cabeça. Especialmente o jornalismo esportivo. O delírio chega a tal ponto que teorias da conspiração aparecem de todo o lado. Inclusive na eleita imprensa alternativa.

Temos três estilos de profissionais. A primeira classe, a minoria, infelizmente, adota um espirito crítico e aponta problemas táticos e técnicos do elenco montado por Tite. Não poupa as estrelas. Faz uma análise  pormenorizada, sem frescuras. Deste clube fazem parte Paulo Vinícius Coelho, Juca Kfouri e Mauro Cézar Pereira.

Um segundo pelotão é o que provoca maior repercussão. Vendem um mundo cor de rosa, cheio de humor e entretenimento. Caem nas graças dos boleiros porque não criticam, recusam a reflexão e escondem os defeitos. Ou abordam de maneira superficial. Boa parte do público adora porque liga tudo no automático.

O ultimo grupo é o pior de todos. Esquecem o profissionalismo em casa e abraçam a figura do torcedor e do advogado de defesa. Não rebatem os argumentos com dados e estatísticas que comprovem de modo cabal que o criticismo está errado. É paixão pura. Gritaria, sem dados ou fatos. Não se iluda: por vezes existe a união dos comunicadores pueris e dos jornalistas torcedores para massacrar os militantes do jornalismo crítico.

Mais: eles dão o tom. Deixam o segundo plano os reais motivos da crítica. Neymar, por exemplo, deve ser criticado não porque pintou o cabelo ou porque chorou ou porque é o reflexo direto de uma sociedade infantilizada ao extremo. Tudo isso é perfumaria.

O camisa 10 do PSG deve ser criticado porque, dentro do campo, no início da Era Tite, era um jogador que atuava no lado esquerdo, próximo da grande área adversária e dava espaço ao lateral Marcelo. Perigoso.

Nos dois primeiros jogos da Copa do Mundo, o que ele fez foi retomar a bola desde a zona intermediária e bloquear involuntariamente o avanço do colega de profissão. Sem Neymar, impede o Brasil de ter o desafogo. Se retomar ao procedimento visto nas eliminatórias não há o que reclamar. Será decisivo e leva o Brasil à final.

Assim como Tite merece reservas não por suas frases filosóficas ou sua queda involuntária no gol contra a Suiça. O problema é escalar Willian e ao lado de um lateral marcador como Fagner. Ou seja, o jogador do Chelsea ficaria sozinho sem possibilidade de triangulações ou ultrapassagens para buscar a linha de fundo.

Douglas Costa fez tal função porque tem a força e velocidade de um segundo atacante. Willian é, antes de tudo, um meio-campista. Veloz, é verdade, mas que fica mais à vontade quando tem um parceiro para acioná-lo com inteligência. Sem contar a inexistência de um atacante de referência entre os eleitos.

Em resumo: na Copa do Mundo mais tática da história, o jornalismo esportivo brasileiro atira no relento a discussão do jogo, das suas variações e aposta no entretenimento puro e simples. Não instiga o público a pensar, raciocinar, a buscar saídas que provoquem uma pressão tamanha que façam a Comissão Técnica planejar outros cenários.

Que ninguém seja tolo de imaginar que a fórmula não dá resultado. Em 1994, o Brasil foi campeão e Parreira só convocou Romário e depois apostou em uma trinca de meio-campistas defensivos (Mauro Silva, Mazinho, Dunga e Zinho) porque a pressão da torcida era monstruosa. O megafone principal era o “Apito Final” da Band, comandado por Luciano do Valle. Tinha número musical de toquinho, sim, senhor, mas o foco era só um: bola. A discussão do jogo. Tática, estratégia, crítica…

Assim como em 2002, 2006, 2010 e 2014, a cobertura guerrilheira da ESPN produziu incômodos da cúpula da CBF. E tem que ser assim. Por mais que os boleiros não desejem. Convenhamos: a montanha de ex-atletas comentaristas jamais vão tocar nas feridas. Ou você imagina Caio Ribeiro com críticas pesadas a cúpula da CBF ou ao desempenho decepcionante dos jogadores?

Hoje, a crítica que mais irrita os jogadores é quando Galvão Bueno e Casagrande rasgam o roteiro.

Pois eu digo: quando chega neste ponto é porque existe algo muito errado no jornalismo esportivo brasileiro. E precisa ser corrigido. Antes que seja tarde.

(análise feita por Elias Aredes Junior)