Racismo no futebol: não minimize a dor vivida pelo goleiro Aranha!

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Jogador dedicado, honesto e com uma carreira limpa. Seu nome: Mário Lúcio Duarte Costa. Apelido: Aranha. Com passagens por Ponte Preta, Atlético Mineiro, Santos, Palmeiras e Joinville. Profissionalismo é a sua palavra de honra. É negro. Nasceu e cresceu na periferia. Reconhece e sabe das dificuldades vividas por ele e seus irmãos de sangue e raça.

Diferenças salariais, problemas para se firmar no mercado competitivo…Aranha sabe o que passa cada um dos negros residentes do Brasil, que são 53,6% do total da população de 204 milhões de habitantes. Detalhe: só 17% dos ricos são negros. Desigualdade de renda na veia. Sem anestesia.

Aranha foi vitima do racismo. Pior: em rede nacional. O palco foi a Arena do Grêmio na Copa do Brasil de 2014. Desde então, escancarou sua luta contra o preconceito racial e empunhou a bandeira. Radicalizou no seu papel de cidadão. Foi a frente. Só que esquecemos um aspecto: ele é humano. Natural que o ato lhe deixasse feridas e cicatrizes. Mais: que voltar ao estádio produzisse péssimas recordações. Confesso: no lugar dele teria dificuldades em retornar ao lugar de tamanho trauma.

Não só lembranças ruins. Duro foi  ficar na tensão de reviver instantes desagradáveis. No último domingo, contra o Grêmio, o arqueiro pontepretano de 36 anos sofreu novamente. Calado. Por 90 minutos. Na saída do campo explodiu. “Eles não esquecem aquele episódio. Eles são assim aqui. Principalmente na região do Sul do país,é sempre assim. Quando volto aqui, evito ao máximo olhar para a arquibancada, porque cada vez que olho para arquibancada, vejo ódio na cara das pessoas. Eles têm certeza que eu estou errado. É triste ver o conceito de vida que eles têm aqui”, afirmou o goleiro, que recebeu o apoio de dois torcedores gremistas que pediram perdão pelos atos racistas do passado.

O goleiro reconheceu a homenagem, agradeceu e mandou seu recado. “Lógico que tem as exceções, mas é triste o conceito que eles têm aqui. A mudança vem das crianças, mas se o pai passa isso para o filho, quando vai melhorar? Nunca! Venho aqui preocupado em jogar, não tenho nada contra o Grêmio. Mas a falta de educação é geral. Às vezes reclamamos do político, mas sempre há o jeitinho brasileiro, que era engraçado antes. Esse jeitinho está tomando conta do país”, explicou.

Para piorar, o goleiro  precisou ouvir de dirigentes gremistas de que era um elemento perigoso. Mais infeliz, impossível. Para dizer o mínimo.

O que provoca inconformismo são pessoas ao redor de Aranha, torcedores e formadores de opinião pública minimizarem a dor sofrida pelo goleiro. Considerar que ele “vê demais”, “só insiste neste assunto”, entre outros temas conceitos equivocados.

Considero interessante esta má vontade porque nunca é acompanhada de propostas concretas de combate ao racismo e todo tipo de preconceito. No fundo, no fundo, o que dizem para Aranha e todos os negros brasileiros, sejam pobres ou ricos, é o seguinte: calem a boca, suportem o racismo, trabalhem e não reclamem.

Para aqueles que minimizam ou desprezam a dor vivida por Aranha é fácil apontar o dedo sem jamais ter sido parado injustamente por uma batida policial. Ou ter a porta fechada para cursos de ensino superior. Sem contar a patrulha no cotidiano em relação ao cabelo, jeito de vestir ou outra atitude que fuja do padrão. Relevar ou “esquecer” o trauma vivido pelo goleiro pontepretano é a estrada para você, de um jeito ou de outro, encarar uma dura realidade: o preconceito está enraizado em você e sequer sabe. Siga com sua luta Aranha. Sua dignidade e postura lhe protegem. E é motivo de orgulho para cidadãos conscientes.

(análise feita por Elias Aredes Junior)