Uma proposta de emenda às torcidas organizadas e o desconhecimento dos partidos progressistas do que é o futebol

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Diversos caminhos conduzem a posições e atitudes equivocadas. Na política, por vezes, pode ser uma mistura de informações desencontradas e ausência de percepção de temas fundamentais.

Faço tal  introdução para analisar a proposta de emenda ao Projeto de Lei do Mandante feita pela deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) e que destina parte do direito de arena direcionado aos jogadores para as torcidas organizadas.

A emenda foi recusada mas a iniciativa não pode ser ignorada. Os partidos progressistas e seus políticos comprovam novamente o desconhecimento do futebol nos seus detalhes, personagens e labirintos.

A Justificativa da emenda até parte de um conceito correto, a de que as Torcidas Organizadas são fenômenos sociais presentes no futebol e que são responsáveis por boa parte da festa que estão presentes na arquibancada. Fato.

Adendo: não se poderia esquecer de que a violência nestas torcidas existe, precisa ser combatida e os infratores punidos exemplarmente. Assim como atos violentos que ocorrem na sociedade.

Tudo deve ser colocado no devido lugar: de 100 torcedores organizados, apenas seis são envolvidos em atos violentos, de acordo com dados do professor Maurício Murad. Torcidas Organizadas são âncoras sociais.

Não somente por ações dirigidas as camadas carentes mas porque se constituem como o último bastião para o torcedor mais carente, aquele que não pode pagar R$ 100, R$ 150 por um ingresso na Arena e carrega um instrumento ou algum material para passar pela catraca.

Qualquer estudioso do assunto, entretanto, reconhece de que o fenômeno das Torcidas Organizadas está longe de ser um problema resolvido. Pelo contrário. As forças de segurança pública combatem de modo equivocado e a própria imprensa não separa o joio do trigo.

Exemplo: torcidas e coletivos antifascistas foram fundamentais para fomentar os protestos contra o atual Governo Bolsonaro. Sem a coragem desses torcedores de irem para rua em plena pandemia, talvez o processo de manifestação política na sociedade seria atrasado em alguns meses. Pena, esses coletivos antifascistas não se constituem maioria.

Então qual o problema do projeto de lei? Simples: a deputada esquece de que as Torcidas Organizadas são entidades de ação política dentro dos clubes. E o seu projeto escancara as portas da manipulação. É só ler com atenção a emenda: “Cinco por cento da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais do espetáculo desportivo de que trata o caput será distribuída aos atletas profissionais e a torcidas organizadas e uniformizadas, cadastradas pelos clubes (grifo nosso) conforme regulamento.”.

Com o cadastro de responsabilidade dos clubes, quem vai impedir que os cartolas decidam quem vai se cadastrar e ter acesso ao dinheiro de acordo com suas preferências politicas internas? Quem assegura que isso não poderia virar moeda de barganha? Ou seja, se você me apoia está no cadastro; caso contrário, está fora. A deputada não deve ter pensado em tais variantes quando formulou a emenda.

E por que um raciocínio tão lógico escapou? Guardadas as devidas e honrosas exceções, políticos progressistas não dão a mínima pelota para o futebol e seus fenômenos. Não vivem a vida dentro dos clubes. Ignora os bastidores e os desencontros. Não é por falta de convivência. Basta relembrar que um ex—presidente do Corinthians – Andrez Sanches – foi parlamentar por um partido progressista (PT). Não aprenderam nada.

Faria um bem danado se a deputada, ao invés da apresentação de emendas, adotasse dois caminhos. O primeiro é por intermédio de sua ação parlamentar, de modo mais constante, lutar contra a criminalização das torcidas organizadas, mas batalhar e dar instrumentos para que os péssimos exemplos destas organizações sejam cada vez mais menores.

E mais: que o futebol pare de ser cardápio extemporâneo dentro dos partidos progressistas. É preciso entendê-lo como manifestação popular e espaço de disputa de símbolos e conceitos.

Políticos conservadores já entenderam e na América do Sul, graças ao futebol, dois chegaram ao topo da República: Mauricio Macri, que se projetou graças ao Boca Junior e Sebastian Pinera, que no meio de suas atribuições como político, teve participação societária (13,77%)  da Blanco Y Negro, que é a controladora do Colo-Colo.

Sem entender o que é o futebol, Gleisi Hoffman não vai entender qual a real necessidade das Torcidas Organizadas e o caminho ideal na busca de um futebol saudável, profissional e inclusivo.

(Elias Aredes Junior- Foto de Vladimir Platonow/Agência Brasil)