Análise: Por que tanta gente apoiou a invasão no gramado do Majestoso após o terceiro gol do Vitória (BA)?

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Trabalho no centro da cidade. Um dos meus companheiros de trabalho chama-se Zé Carlos (nome fictício para preservar a identidade). Pontepretano roxo. Acompanha as partidas da maneira que é possível. Sonha com o dia de soltar o grito de campeão. Desde a derrota para o Avaí, estava resignado quanto ao rebaixamento. Encarava as rodadas finais como um purgatório.

Após a derrota para o Vitória (BA), ele entra em minha mesa e dispara: “Se eu estivesse no campo e fosse mais jovem eu também invadiria o gramado”. Declaração delirante se levarmos em conta o perfil pacífico do personagem.

Converso por intermédio das redes sociais com um advogado trabalhista de Campinas. Doente pela Macaca. Viajado pelos quatro cantos do mundo. Não teve pudor em aprovar a explosão de barbárie após o terceiro gol do rubro negro baiano. “Eles pediram isso. A verdade que contra uma ditadura só uma insurreição. O que essa diretoria fez esse ano passou dos limites”, disparou. “O Brasil precisa se inspirar na torcida da Ponte”, completou.

São apenas dois exemplos. Você pode encontrá-los na sua casa, no seu local de trabalho ou até na rua, de modo sazonal. Muitos aprovam que homens invadam o gramado e ameaçam a integridade de jogadores, árbitros e integrantes da imprensa. O que acontece? O que motiva pessoas com vida normal e sem histórico de violência aprovar e chancelar um ato como esse?

Não dá para tirar conclusão simplista. Nem abraçar teses sem pé e sem cabeça. Para toda ação existe um motivo embasado.

Para o caso daqueles que aprovam a atitude os torcedores que invadiram o Majestoso (e que precisam ser punidos a luz da lei), a indignação com o estado de apatia reinante nos gabinetes justifica boa parte da postura acoplada com incompetência para o diálogo.

Vejamos: nos últimos 20 anos, o presidente de honra Sérgio Carnielli deu as cartas no Majestoso. Governou ininterruptamente de 1997 a 2011 e enfrentou apenas dois oponentes nas urnas: o seu ex-vice-presidente de futebol Marco Antonio Eberlim e o ex-presidente Lauro Moraes. Venceu ambos. Após ser afastado da Justiça, viu Márcio Della Volpe assumir o poder e rompeu ao final do seu mandato atrelado com denúncias de irregularidades, que, aliás, não foram esclarecidas ao distinto público, diga-se de passagem.

Indicou Vanderlei Pereira sem nenhuma resistência interna e, enquanto isso, distanciava-se da torcida. Não compartilhava as decisões, angústias e dúvidas. A torcida, que sempre foi aliada da Alvinegra em momentos históricos, sentiu-se órfã. Sem o seu bem mais precioso: o seu time. Pior: perdeu aquilo que tinha de maior valor, mas viu a mediocridade ser instalada. Enquanto Chapecoense, Sport, Atlético-PR e Joinville tem um título ou conquista para celebrar, o discurso no Majestoso era deixar as contas em dia e apenas e tão somente brigar pela manutenção no Brasileirão. Ou seja, a apatia como política de estado.

Junte nesse coquetel, um presidente que não declara ou justifica seus erros, um diretor de futebol sem capacidade de explicar suas decisões e um gerente de futebol com a credibilidade incinerada. O fosso aumenta a olhos vistos e a revolta também.

Em toda sua história, a torcida da Ponte Preta nunca foi um agente passivo. Jamais ficou de braços cruzados diante da dificuldade. Aos poucos e de modo sorrateiro, o que o atual grupo político fez, mesmo que involuntariamente, foi sufocar a voz do torcedor, seja da arquibancada ou do camarote.

A atitude foi deplorável. Merece punição exemplar. Mas eu entendo os torcedores que, ao verem aquela cena, se sentiram representados. Foi como se aquela grade arrebentada afirmasse aos dirigentes: “Eu não aguento mais ficar amordaçado. Eu não aceito ser separado da minha paixão. Eu repudio a Ponte Preta ficar na mão de poucas pessoas”. Mais: se aquelas pessoas tomaram aquela atitude deplorável, acredite que, após o terceiro gol, vários incentivaram que a atitude fosse tomada. É correto? Claro que não.

No entanto, o desprezo é primo-irmão do ódio, do ressentimento e da atitude inconsequente. Enquanto a diretoria pontepretana não aprender conceito tão simplório e não alterar sua relação com a torcida, episódios negativos como aqueles registrados no domingo vão se repetir de modo corriqueiro. Infelizmente.

(análise de Elias Aredes Junior/foto – Matheus Reche)