Para aqueles que estão na expectativa sobre o destino do futebol em São Paulo digo em alto e bom tom que dificilmente os jogos não vão retornar. A pressão sobre o governador João Dória e o Ministério Público é insana. Independente da retomada dos jogos, não existe fato mais dilacerante do que as declarações dos presidentes de clubes, Federações e até das autoridades médicas envolvidas.
Um desfile de números, argumentos e autopropaganda sobre a eficiência do protocolo. Solidariedade? Ínfima. Ao ouvir as declarações dos presidentes da Ponte Preta, Sebastião Arcanjo, o Tiãozinho, e do Guarani, Ricardo Moisés é impossível deixar de detectar a ausência de empatia na análise da conjuntura. Duro? Pesado? Sinto muito. É a realidade. Detalhe: mesmo a declaração do presidente pontepretano no final do vídeo não emite qualquer emoção.
A dor, o pranto pela morte não precisa ser provocada. Não depende da pergunta de um repórter ou da assessoria de imprensa. Quando você se importa, a manifestação sai de modo espontâneo. Foi por isso que o técnico Lisca viralizou com seu vídeo. Detalhe: uma entrevista feita antes de uma partida. Ele não foi provocado para falar sobre o drama vivido nos corredores dos hospitais, pelos profissionais de saúde e os perigos presentes e gerados pelo vírus.
A empresária Luíza Trajano caiu nas graças da sociedade brasileira não só porque não demitiu ninguém durante a pandemia. Sua popularidade aumenta porque a cada declaração e entrevista ela demonstra a consternação, a tristeza e a indignação por cada vida perdida para a Covid-19.
Não é algo frio, protocolar, apenas para constar. É verdadeiro. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), afetada diretamente quando ocorre qualquer lockdown (afinal, os templos estão fechados) sempre busca colocar sua posição de protesto contra o caos instalado na saúde pública do Brasil e de solidariedade. Faz jus ao seu papel de espalhar a palavra de Cristo.
Poderia citar inúmeros artistas que mesmo com seus ofícios abalados ( artistas viram seu espaço de trabalho desaparecer) não deixam de chorar, de tentar mobilizar o país em torno da luta contra a Covid.
Para essas personalidades e instituições, pessoas são pessoas. Não números. E merecem que sejam abraçadas em seu instante de dor e de luto. Mesmo que não tenha nada a ver com isso. Não é burocrático. Não é da boca para fora.
O exemplo cabal disso é o documento “Pacto pela Vida” que exige rapidez na produção de vacinas e foco no atendimento no setor de saúde.
Peço que você confira apenas os dois primeiros parágrafos do documento:
“(…)Nós, entidades signatárias do Pacto pela Vida e pelo Brasil, sob o peso da dor e com sentido de máxima urgência, voltamos a nos dirigir à sociedade brasileira, diante do agravamento da pandemia e das suas consequências. Nossa primeira palavra é de solidariedade às famílias que perderam seus entes queridos.
Não há tempo a perder, negacionismo mata. O vírus circula de norte a sul do Brasil, replicando cepas, afetando diferentes grupos etários, castigando os mais vulneráveis.
Doentes morrem agonizando por falta de recursos hospitalares. O Sistema Único de Saúde – SUS continua salvando vidas. No entanto, os profissionais da saúde, após um ano na linha de frente, estão à beira da exaustão. A eles, nosso reconhecimento(…)”.
São poucas linhas. Tem tudo que desejamos neste momento: empatia, solidariedade, carinho e afeto por aqueles que sofrem. Tudo no texto.
O documento é assinado por OAB, CNBB, Comissão Arns, Academia Brasileira de Ciências, Associação Brasileira de Imprensa e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Pergunto: e a CBF? E as Federações? E o COB? Não formulam nada parecido? Não assinam um documento de tal magnitude? Pois é.
O futebol paulista prefere contabilizar gols, vitórias, derrotas e números estatísticos produzidos pelo protocolo e celebrados pelos médicos ligados a tais entidades. Enquanto isso, milhares choram. E o futebol ainda quer ser popular.. Sinto muito, não vai dar.
(Elias Aredes Junior)