Olá, tudo bem?
Calma, não se assuste. Não fique intimidado. Você me guardou por tanto tempo na gaveta. Utiliza-me de vez em quando e esquece de que tenho alma, coração, emoção. Tudo gerado por ti. É hora de conversarmos a sós. Sem amarras.
Lembra que durante um tempo me utilizava para desafiar os adversários? Eu te vestia de uma maneira forte, destemida, sem medo. Nunca perdia a ternura ou a esperança. Por que eu sou a esperança.
Como jogar a toalha se já tive a primazia de conduzir seres humanos capazes de entrar no vestiário e se transformarem em deuses do olimpo? Não tinham nomes gregos. Ostentavam a mais autêntica brasilidade: Careca, Bozó, Jorjão, Renato, Neto, Aílton, Djalminha, Evair, João Paulo…Quantos nomes, quantas emoções. Vitórias com celebrações infinitas. Lances mágicos, capazes de impregnar na retina. E eu estava lá. De verde. Com a estrela colocada acima do símbolo.
Olhe para mim. Fixamente. Não desgrude. Veja este símbolo que carrego no lado esquerdo. Não é qualquer um. É a tradução de uma história embalada pelo sonho de garotos nascidos em uma Campinas marcada pela ânsia de fazer diferença desde 1911. Uma busca alcançada primeiramente em 1948, quando no gramado da acanhada Rua Javari eu te dei a alegria inicial. Campeão da divisão de acesso.
Não parei. Nunca desisti de avançar, de faturar fronteiras e embaralhar o curso da história. Quando estava impregnada na pele de Careca e testemunhei aquele gol na final contra o Palmeiras, os meus adversários não imaginavam algo óbvio: aquilo não era o encerramento e sim a largada de um período de desbravamento. Fiquei conhecido pelo mundo. Você me vestiu no Paraguai, no Chile, em várias partes do mundo. Não te decepcionei. Tanto que de um limão eu fiz uma limonada. Ganhei a Taça de Prata de 1981 e ganhei mais uma medalha, ops, estrela.
Depois, os vices campeonatos de 1986 e 1987 no Brasileirão, o segundo lugar no Paulistão de 1988 e as boas campanhas na década de 1990 pareciam o prenúncio de uma decolagem rumo ao infinito. Estava preparado para ficar mais verde, forte e respeitado. Não queria ser uma camisa qualquer. Queria enfrentar os irmãos poderosos. Tinha poucos recursos. Não ligava. O que importava era te alegrar e te deixar feliz.
Só não esperava as armadilhas do destino. Homens que teimavam em destruir minha casa, meu lar, o seu abrigo. Entrei em campo e fui submetido a humilhação do rebaixamento. Por nove vezes. Fruto da ambição de poder pelos homens. Da inacreditável incapacidade de gerir este patrimônio construído com vibração, alegrias e lágrimas.
Não podia desistir. Ao ser colocado no varal por ti, eu olhava ao céu e juntava forças para tentar incutir bom senso naqueles que dirigiam meu destino. Queria gerar sonhos para aqueles que sentavam nas arquibancadas do Brinco de Ouro.
Brinco de Ouro de tantas façanhas. De vitórias inesquecíveis em derbis. Dos gols de Medina em 2012. Da sua comemoração enlouquecida, me puxando e agarrando com fervor. Por saber que virava deus por alguns segundos. Virava uma lenda.
História que ganhou um novo capítulo no ano passado. Não fale para ninguém, mas não queria permitir a infelicidade. Ao me vestirem na Série C do ano passado, transformei aqueles jogadores limitados em guerreiros. Capazes até de marcarem seis gols em uma semifinal! Semifinal!
Quando você me vestiu para torcer comigo diante da Portuguesa, eu gelei. Queria uma prova definitiva de que não acabei. Que eu estou pronto para vencer. Única opção escolhida pelo destino.
Jogo encerrado e apesar do empate, sabia que eu não te dei um motivo, mas 12.067 razões. E que voltarão outras vezes. Por que paixão não dá espaço para apatia. É fogo ardente que cedo ou tarde dilacera as mágoas e as feridas.
Os desafios não terminaram. O combustível é infinito. Chama-se amor. O nosso passado acalenta orgulho, o presente é de batalha e o futuro ninguém vai nos tirar. Pode acreditar.
Com amor e carinho
Camisa (mas pode me chamar de manto, amor eterno…)
10-04-2017
(texto de autoria de Elias Aredes Junior)