Uma história sobre pais, filhos e o amor pontepretano

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Por Elias Aredes Junior*

Tobias é operário. Jornada de 12 horas por dia. Sofrimento em ônibus arrebentados e dinheiro contado. Mora na região do Campo Grande. Luta com a vida. Luta pela vida. O futebol é a sua válvula de escape. A Ponte Preta é sua razão de viver. Ao lado de Michel. O garoto de 08 anos é seu orgulho. Quase não encontra. Vive com a mãe do outro lado da cidade. Desavenças, conflitos e uma herança no meio. O futebol como salvação. Elo de amor.

A semifinal do Campeonato Paulista parecia o palco ideal: domingo de páscoa, decisão de vaga na final contra o Palmeiras. Valia a pena o sacrifício.

Tobias entrou na fila. Fincou pé às 03h da manhã. Foi o primeiro a comprar os ingressos. O seu e de Michel. Programa imperdível.

Domingo e a alvorada surge no horizonte. Camisa da Alvinegra tirada do armário, moedas contadas para o ônibus, um refrigerante e um lanche no lado externo do estádio. Para Michel. Seu alimento seria a felicidade do filho.

Garoto a tiracolo e dificuldade de vislumbrar um lugar no Majestoso. Missão cumprida. A bola rola e os gols se transformam em explosão de alegria. Um, dois, três a zero no Palmeiras. Festa, abraços, confraternização e choro de alegria.

Tobias não estava completo. Intrigado era o correto. O garoto comemorava, pulava mas lhe dirigia a palavra. Ficava introspectivo, quieto. Olhava tudo ao redor. Sem desgrudar do gramado. Nenhuma palavra com o pai.

Fim de jogo. Tobias deixa o garoto com a mãe e vai para casa. Deita a cabeça no travesseiro e um misto de êxtase e frustração invadia sua alma. A “sua” Ponte Preta venceu, desfrutou instantes indescritíveis com seus irmãos de arquibancada. O filho parecia um desconhecido na multidão. Não conversaram. Não partilharam aquele instante. Tudo gelado, distante, frio.

Veio o dia seguinte. Alma com interrogações e dúvidas. Onde estava aquele amor pela Ponte Preta partilhado entre ambos? E a chance de transformar jogadores de carne e osso em heróis?  Era preciso esquecer tudo e ganhar o pão de cada hora.

O chefe encaminhava os pedidos no serviço, o dia transcorria normalmente e algo parecia fora do lugar. Nada combinava. Foi quando o celular tocou. Era o Whatsapp. A ex-esposa, Berenice, envia o texto:

“Passa aqui em casa. Tem algo urgente para gente conversar”.

O mundo caiu. Tinha receio de algum imprevisto com o filho. Vida sofrida, sem roteiro. Às 18 horas em ponto, Tobias bate o cartão na empresa em Barão Geraldo e pega o primeiro ônibus ao terminal do distrito; de lá, um novo veículo no rumo do centro da cidade e finalmente o embarque na linha 3.48. Destino: a Vila Georgina, seu bairro de infância. Casas de alvenaria, prestes a terminar, o pagode em volume máximo, gente pela calçada e o retorno para a residência em que viveu com a ex-mulher até 2014. Fica em uma viela escura, com iluminação parca e irregular.

Desembarque feito, caminhada executada. O velho lar reaparece na retina. Na sua frente, Berenice, atrapalhada com a janta toma um susto com sua chegada, mas se recompõe.

Após os cumprimentos frios, Berenice descreve a surpresa com Michel na aula de Língua Portuguesa na escola municipal localizada a 500 metros. Ela explica em detalhes:

– Olha, não sei e nem quero saber o que aconteceu ontem naquele campo. Você sabe que não gosto de futebol. A professora pediu uma redação para o Mi (tratamento carinhoso dirigido ao filho) e o garoto tirou nota 10-, explicou a dona de casa.

– Nota 10?  Como assim?   Ele nunca foi ligado em Lingua Portuguesa? O que o jogo de ontem tem relação com isso?

Apressada e sem paciência para explicações, Berenice dirige-se ao quarto de Michel. De soslaio, Tobias vê à distância o seu filho entretido com o fone de ouvido conectado no Play Station 4. O jogo?  Fifa 2017. Com a Ponte Preta no portifólio. Diversão on line, com gente que não conhece. Tempos modernos.

Distraído e concentrado na imagem do filho, Tobias toma um susto quando o papel amassado, tirado de um caderno universitário apareceu na sua frente:

– Leia e confira o milagre…

Tobias sentou na acanhada cozinha. Projetou o tronco para frente e pegou o papel com as duas mãos. A cada linha, virgula, paragrafo e palavra escrita pelas mãos do garoto de 8 anos, a surpresa, o espanto, a perplexidade. Não é para menos:

 

“Meu dia inesquecível…

Há dois anos não saía com meu pai. Sentia falta. Ele é tudo para mim. Sonhava com o dia em que ele me levasse pela primeira vez ao estádio da Ponte Preta. Cansei de ver pela televisão ou na casa de amigos que tem dinheiro para pagar TV a Cabo. Queria ver a macaquinha com meu pai. Foi ele que me ensinou a chama-la assim.

Na quinta-feira ele apareceu em casa com dois ingressos na mão. Poxa, fiquei muito feliz.

Fiquei mais feliz porque meu pai ficou feliz. Entende? Deixa explicar: quando ele vem na minha casa duas vezes por mês me visitar eu só vejo ele triste e me pedindo desculpa por não conseguir dar uma condição de vida melhor.

Então, quando a gente sentou no estádio, eu decidi que não queria só ver a Ponte Preta. Eu queria ver meu pai feliz. E eu vi. Nos três gols da Ponte Preta. Eu fiquei tão contente, mas tão contente que nem conseguia falar. Só olhava para o campo e pensava: “Papai do céu, obrigado por fazer meu pai feliz”. Ele pulou, me jogou para o alto e chorou. Até abraçou umas pessoas que nunca vi na vida. E eu abracei também.

Papai diz agora que devo torcer para a Macacaquinha chegar na final. Que ele vai me levar no campo novamente. Não vejo a hora. Porque a Ponte Preta vai me deixar feliz e meu pai também”

 

Tobias deixou o papel em pandarecos. Encharcados por lágrimas e emoções presentes e que iam e voltavam de maneira devastadora no seu coração. Foi quando o filho, com o fone de ouvido no pescoço e o controle do vídeo game na mão direita, anunciou:

-Pai, fica tranquilo. O vídeo game marcou pênalti para Ponte Preta. E eu marquei. Gol de Pottker. Tá 4 a 0 para a Ponte Preta. O Palmeiras perdeu. A vaga na final é nossa.

E os dois se abraçaram. Convictos de que aquele amor sublime produzirá novas vitórias e instantes inesquecíveis.

(*crônica de autoria de Elias Aredes Junior- Os personagens deste texto são fictícios. A crônica é uma homenagem aos pais pontepretanos que lutam e não desistem de transportar um amor por um clube marcante no futebol nacional)