Gosto e aprecio jornalistas que analisam assunto em cima de uma ótica calcada no aprofundamento. Entender o contexto. Os personagens, nuances, fatos positivos, negativos e alicerçados nos acontecimentos.
Sua excelência, o fato.
A Ponte Preta está na zona do rebaixamento. A guilhotina estará na cabeça de todos. A sensação de queda é amarga.
Neste contexto, os culpados são eleitos. Julgados. Dilacerados. Massacrados.
A Bola da Vez está em cima de dois nomes: o coordenador de futebol da Ponte Preta, Luiz Fabiano e o presidente Marco Antonio Eberlin. Eles montaram o time. Eles estão pressionados. Se a queda for consumada, eles é que entraram na porta dos fundos da história.
Assim como entraram Carlos Vachiano após o rebaixamento no Paulistão de 1987, Sérgio Carnielli, presidente no rebaixamento do Brasileirão de 2006, Márcio Della Volpe, presidente na campanha do Brasileirão de 2013 e Vanderlei Pereira, mandatário na campanha na Série A de 2017.
Está lá. A história registrou e está eternizada. Sem tirar nem por. Vilões? Culpados? Não sei. Fracassaram em instantes emblemáticos. E pagaram o preço por isso. E Marco Antonio Eberlin tem dois jogos para fugir deste estigma. Serão os 180 minutos mais importantes da Macaca em 2022. Um vacilo e tudo irá pelos ares.
Enquanto a bola não volta a rolar, Eberlin e Luis Fabiano estão no rol das responsabilidades. Serão cobrados e pressionados. Uma pergunta ronda o espectro da mente do torcedor pontepretano: por que a decepção parece tão aguçada?
O que produz esta onda pessimista que assola o torcedor da Macaca? Excetuando-se os clichês, os xingamentos injustificados e os argumentos rasos e passionais, típicos do torcedor alienado, é preciso entender os motivos deste clima de velório e decepção. É hora de revisitar a história. Relembrar fatos. Até para entender porque a Ponte Preta chegou neste estágio.
Dezembro de 2010: o começo de tudo
Em 2010, o período teve gosto de cabo de guarda chuva. A equipe terminou a Série B em 14º lugar com 48 pontos, 15 pontos atrás do América, que foi o quarto colocado. No ano anterior, em 2009, o gosto mais amargo: o time terminou na 11ª colocação com 52 pontos e viu o rival Guarani subir. Marco Antonio Eberlin, que comandou o futebol de 1997 a 2006 estava fora do clube e do comando do futebol. Desde então o grupo político que mandava no clube tentou de tudo.
Investimentos, contratação de jogadores e técnicos renomados e nada de acesso. No final de 2010, a tacada final: Miguel de Ciurcio e Márcio Della Volpe foram nomeados gestores do departamento de futebol profissional e juntamente com Niquinho Martins comandaram a reformulação. Primeiro passo: contrataram Gilson Kleina, que estava no Duque de Caxias.
A temporada de 2011 não poderia ter sido melhor. Quartas de final do Paulistão e acesso na Série B. No seguinte, o time caiu na semifinal do Paulistão para o rival Guarani. Posteriormente, na Série A, já sob o comando de Ocimar Bolicenho, a Macaca sobreviveu ao ficar na 14ª posição com 48 pontos. Se não eram campanhas de encher os olhos, existia um mínimo de modernidade que deixava as antenas ligadas.
No ano seguinte, o primeiro solavanco: divergências de estratégia no Campeonato Paulista – quando perdeu nas quartas de final para o Corinthians por 4 a 0- e uma arrancada ruim no Brasileirão motivaram a demissão de Guto Ferreira. Paulo César Carpegiani e Jorginho tentaram mas não evitaram a queda para a Série B. Vice-campeão da Sul-Americana? Verdade. Mas o rebaixamento doeu no bolso.
Detalhe: nesta época já se registraram as primeiras divergências políticas. Márcio Della Volpe, então presidente, apostou na Sul-Americana enquanto que outros lideres do Grupo Político que comandava o Majestoso queriam o foco total no Brasil. No ano de encerramento do seu mandato, em 2014, Della Volpe conseguiu o retorno á primeira divisão.
Novamente sob o comando de Guto Ferreira, depois da recusa da torcida da Ponte Preta no estádio e nas redes sociais (sim, já estavam ativas na época) contra a chegada do ex-armador Ricardinho. Era a primeira vez que o mundo virtual interferia na vida real.
2015-2016: Anos de Ouro ou de lata?
O clube começou 2015 sob o comando de Vanderlei Pereira. Diretor Financeiro por vários anos da gestão do presidente Sérgio Carnielli, ele assumiu com a missão de dar um up grade no status da Macaca. Ao falarmos de Campeonato Brasileiro não há do que reclamar. A 11ª colocação com 51 pontos parecia um prenuncio de dias melhores, apesar da atuação normal e sem surpresas no Paulistão. No ano seguinte o auge: oitava colocação com 53 pontos e a frente de gigantes como Fluminense, Cruzeiro e Internacional, que acabou rebaixado. O foguete parecia ter decolado em 2017 com a conquista do vice-campeonato paulista.
Foi a partir daí que tudo desmoronou.
2017: o alicerce da queda e as primeiras ondas sobre o retorno ao passado
Lucca, William Pottker e Clayson foram os alicerces da boa campanha no Brasileirão de 2016 e do vice-paulista sob o comando de Gilson Kleina. As negociações desmancharam o esquema de três velocistas. E pior: a reposição para o Brasileirão de 2017 foi decepcionante. Jogadores como Emerson Sheik e Negueba não atuaram em alto nível e o fruto colhido foi o rebaixamento no Brasileirão.
Nesta época, com as redes sociais mais fortes, não eram incomum aparecer em posts de Facebook e Twitter pedidos para a volta de Marco Antonio Eberlin. E por que? Dois motivos: sob o comando de Eberlin, a equipe ficou oito temporadas – de 1998 a 2005- na primeira divisão. E após a sua saída, o time viveu uma espécie de gangorra. A sua gestão fixou na memória afetiva do torcedor pontepretano o sinal de estabilidade. A de que tudo era previsível. Até os técnicos que não saia do formato Vadão-Marco Aurélio-Nelsinho-Nenê Santana.
2018-2021: a instabilidade que abriu as portas para a mudança de poder.
Um sentimento de nostalgia reforçado pela própria política pontepretana. Por problemas pessoais, Vanderlei Pereira abriu mão de um segundo mandato. Sob o respaldo do grupo político que comandava o clube desde 1996, o dentista José Armando Abdalla Junior foi indicado. E foi a partir daí que o torcedor pontepretano sentiu na pele o significado da palavra crise.
Foi uma gestão tumultuada sob o ponto de vista político. Por decisões do presidente e de sua Diretoria Executiva, o time não embalava. Apesar de sempre querer agradar ao torcedor com técnicos que eram do agrado da torcida: Jorginho, João Brigatti, Gilson Kleina e podemos até incluir Mazola Junior, que chegou respaldado por suas claras e cristalinas raízes pontepretanas.
Outro processo foi intensificado: o massacre em cima dos executivos de futebol. Marcelo Barbarotti e Gustavo Bueno não tiveram um segundo de paz. E de certa forma o campo foi o combustível para o julgamento e da condenação sumária. Nada funcionava. E as redes sociais, além das costumeiras criticas, pediam a volta de Marco Antonio Eberlin. As derrotas e decepções acionavam o gatilho da nostalgia.
No dia 05 de novembro de 2019, a reviravolta: por problemas de saúde, José Armando Abdalla Júnior renunciou ao cargo de presidente da Ponte Preta.
Assume o presidente Sebastião Arcanjo, o Tiãozinho.
Que logo de inicia nomeia uma nova diretoria, em sua maioria composta por negros e por uma mulher. Bancou a manutenção de Gustavo Bueno e no final deu uma nova chance para Gilson Kleina, que virou o ano como treinador. Não deu certo. Após uma tentativa com João Brigatti e Marcelo Oliveira o cargo caiu no colo de Fábio Moreno, então coordenador técnico.
Humilhação e vexame no mercado
Que iniciou o ano com a disposição de promover uma ruptura na cultura futebolística da Macaca. Saiu o jogo de contra-ataque e entra em seu lugar o jogo de posição, com proposta de agredir e envolver o adversário.
Apesar de bem intencionada, a estratégia não prosperou por boicote nos bastidores e até de setores da imprensa que não aceitavam a mudança estrutural.
Resumindo: trocas e mais trocas até chegar o momento da suprema humilhação. Em maio do ano passado, Mozart, Eduardo Barroca e Zé Ricardo recusaram o convite para assumir a Ponte Preta.
Um prato cheio para que as redes sociais passassem a conviver com os pedidos de “volta Eberlin”. E com o ano político ás portas, e a incapacidade de gerência no futebol profissional escancarada, a solução para os pontepretanos era retornar ao passado para construir o futuro.
Um futuro inviabilizado no presente. A contratação de Gilson Kleina para dirigir a Série B se por um lado foi suficiente para evitar uma queda à Série C, por outro escancarou os problemas estruturais e financeiros da Alvinegra.
E eis que veio a eleição. O combustível de apoio dos torcedores e a memória afetiva formada nos últimos anos, graças aos resultados negativos no gramado, além do apoio de pontepretanos históricos fez com que a montagem de uma campanha de caráter popular produzissem a vitória do Movimento Renascer Pontepretano.
Uma vitória construída e que não foi somente viabilizada pelo eleitor pontepretano que queria a destituição do grupo político que comanda a Ponte Preta desde 1996 mas para ressuscitar um período de estabilidade e conquistas. Pelo menos era isso que estava na mente do torcedor pontepretano que apostou nesta reviravolta.
É preciso salvar o futuro
Desde os primeiros dias, a estratégia mostrou seus riscos. A extinção do cargo de executivo de futebol, o retorno de profissionais que estavam fora do futebol, os sobressaltos na relação com os profissionais de Ciência do Esporte e a contratação de alguns jogadores sem as melhores condições físicas era a receita para um fracasso preocupante ou de um ressurgimento avassalador. Por enquanto, prevalece a primeira opção.
O que está em jogo nos próximos 180 minutos não é apenas a manutenção na Série A-1 do Paulistão. É a sustentação da esperança. São quase dois meses de mandato do presidente Marco Antonio Eberlin. Por enquanto, uma completa decepção. Mas são dois meses decepcionantes que no fundo se constituem em causa e sim em consequência de 11 anos de decisões erráticas e que deixaram um clube popular e centenário as portas do abismo. É preciso salvar a Macaca para evitar o pior.
(Análise Especial escrita por Elias Aredes Junior- Foto de Diego Almeida-Pontepress)