Uma reflexão para entender os motivos que geraram o tumulto no Majestoso contra o Vitória (BA)

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Foi um espetáculo de horrores. Torcedores invadiram o gramado do estádio Moisés Lucarelli e ameaçaram os jogadores da Ponte Preta, já atarantados após sofrerem o terceiro gol do Vitória. A Polícia Militar interveio, prendeu alguns e os feridos foram inevitáveis. Exageros por parte dos policiais foram detectados pelas câmeras de televisão. Mesmo assim, poderia ser muito pior se as pedras que estavam na mão dos torcedores atingissem inocentes.

Perder o mando de 10 jogos deve ser a consequência para a Alvinegra após a divulgação do relatório do árbitro Ricardo Marques Ribeiro. Contar esta história de modo simplista e sem entender o que levou a essa atitude de torcedores  é apenas colocar uma cortina de fumaça na crise política e de relacionamento entre a diretoria e torcida que vigora há, pelo menos, três temporadas. Punições devem ser direcionadas aos infratores. Exemplarmente. Uma análise fria e ponderada não pode ser desprezada.

Passadas quase 24 horas do debacle, a hora é de desarmar os espíritos e despir-se de espirito de vingança para entender qual foi o combustível que levou a invasão – e a consequente melancólica queda – para a Série B.

Alguns fatos óbvios devem ser compreendidos. A Ponte Preta é um clube de massa, formada por diversas classes sociais. Na sua história, a pressão sempre foi um ativo presente. Queda de treinador, cobrança sobre jogadores e, às vezes, até constranger torcedor que caminha em sentido contrário ao espírito vigente. Neste contexto, o dirigente atua como maestro, alguém capaz de entender e captar as demandas e transformá-las em ações dentro do clube. Podemos citar episódios históricos pontepretanos.

Em 1989, a Macaca disputou a divisão intermediária do Paulistão, após meses e meses envolvida em guerra judiciais e quebra de credibilidade no mercado. Foi quando o então presidente Lauro Moraes montou um time dentro daquilo que desejava a torcida pontepretana: lutador, guerreiro, forte e disposto a tudo. O símbolo maior era o centroavante Monga, limitado tecnicamente, mas disposto a entregar a alma no gramado. O time ficou conectado com a torcida, a diretoria nunca afastou-se da ribalta da opinião pública e a vaga na Série A-1 foi obtida.

Vamos pegar a máquina do tempo e nos dirigir para 2013. A Macaca caiu no Campeonato Brasileiro. Perdeu até do rebaixado Náutico, foi goleada pelo Vitória e amargou a volta à Série B. Mas por que a revolta nas arquibancadas não foi uma décima parte do que foi verificado no domingo? Por que? Tudo atende pelo nome de Sul-Americana. Jogadores, o técnico Jorginho, o presidente de plantão – Márcio Della Volpe – atenderam ao clamor da torcida na busca por um título e alcançaram a final. Perderam a decisão? Verdade. Mas a conexão foi plena e verdadeira.

Algo que, por incrível que pareça, aconteceu na Série B de 2014 e em parte de 2015. A presença de Guto Ferreira deixava boa parte da torcida segura de que o time estava entregue em boas mãos. Suas entrevistas coletivas eram convincentes, mesmo nos instantes mais delicados. O que de certa forma acobertava a distância da nova Diretoria Executiva com as arquibancadas, algo já existente.

E desta vez? Primeiro precisamos recordar que, desde o início, a diretoria de futebol da Ponte Preta não fez questão nenhuma de dialogar, conversar e detectar as demandas, anseios e desejos da torcida. Mesmo que recusasse todos os pedidos, conversar e ouvir já seria uma atitude de respeito. Aconteceu tudo ao contrário. Após a saída de Eduardo Baptista, em dezembro de 2016, a expectativa era por um treinador de currículo. Foi apresentado Felipe Moreira, antigo auxiliar técnico e as reclamações foram imediatas.

Após eliminação na Copa do Brasil para o Cuiabá e um debate quase interminável, Gilson Kleina foi contratado. Devemos reconhecer que o seu futebol de contra-ataque e discurso saboroso nas entrevistas e no vestiário fez com que, momentaneamente, o relacionamento fosse reestabelecido. Nas partidas finais do Paulistão, torcida e time foram algo único e levaram à decisão. Mérito de Kleina.

No entanto, os equívocos na concepção tática, as reposições equivocadas após as saídas de Clayson e William Pottker fizeram o relacionamento degringolar. Gilson Kleina saiu, entrou Eduardo Baptista e o espiral de erros cresceu.

Dentro do campo, a saída de Emerson Sheik entrou para o folclore das histórias. Dizer pura e simplesmente que está lesionado convenceu em parte. Pior: ao tirar a dupla formada por Luan Peres e Marllon e apostar em Rodrigo, o treinador pontepretano detonou um espiral de ressentimento na torcida. Temperado ainda com as ações de bastidores, em que reuniões do Conselho Deliberativo viraram monólogos do grupo situacionista e com pouco espaço para oposição.

Como a Ponte Preta tem um presidente que não fala, um diretor de futebol sem ânimo para declarar ou justificar nada e o gerente de futebol está com a credibilidade ferida de morte, ficou no ar a sensação não de parceria, mas sim de fornecedor e consumidor. Ou seja, “Já que vocês entendem de futebol e não querem ouvir ninguém, que façam direito”. Com o terceiro gol de Tréllez, a invasão (absurda!) ganhou o estopim necessário.

Repito: os responsáveis pela invasão devem ser punidos exemplarmente. Só que eles aproveitaram um clima deteriorado há meses para espalhar a barbárie. Mas, sem aposentar a soberba e a prepotência nos gabinetes, será difícil conseguir dias de paz na Ponte Preta. Infelizmente.

(análise de Elias Aredes Junior/Foto de Matheus Reche)