Especial- Stephan Campineiro, jornalista, pontepretano: Dérbi é vida!

0
1.856 views

“Soccer is life. The rest is just details”. (Futebol é vida. O resto são apenas detalhes)

Li essa frase pela primeira vez em uma camiseta, durante a adolescência. E a mensagem estampada ali foi certeira para mim. Sem qualquer figura de linguagem, o futebol sempre simbolizou um revigorante sopro de vida em minha história e me ajudou a chegar até aqui, aos 41 anos.

Aprendi essa lição ainda na infância, de forma inesperada, dura e cruel. Aos dez anos, perdi meu pai, Antônio, vítima de um infarto. Ele tinha apenas 37 anos. Mais velho de seus três filhos e, a partir daquele momento, o “homem da casa”, assumi um precoce amadurecimento e lutei para esconder a tristeza e, muitas vezes, o estranho sentimento de inferioridade por ser o único da turma, seja na escola, na igreja ou na família, que não tinha o pai em seu dia a dia.

Sorte minha é que tenho uma grande família. Apaixonada por futebol e pela Ponte Preta. Se até então eu engatinhava no ofício de torcedor, após a perda de meu pai, tudo mudou. Sua ausência foi naturalmente preenchida por meu avô materno, Plínio, de quem sempre fui muito próximo. Meus tios Carlos Piza e Carlos Fernandes também passaram a me acompanhar – e apoiar – sempre muito de perto. E o programa que mais nos aproximava era frequentar as gerais do estádio Moisés Lucarelli ao lado de meus primos. No final dos anos 80 e durante toda a década 90, descíamos a pé, em caravana formada por oito, dez torcedores, da rua Artur Ramos, paralela de cima da avenida Marechal Carmona, na Vila João Jorge, até o Majestoso.

Eu esperava ansiosamente por cada uma dessas partidas. E também passei a buscar todo tipo de informação relacionada à Ponte Preta. De manhã, não saia de casa sem ler o caderno de esportes do Diário do Povo. Voltava da escola correndo para assistir ao Globo Esporte. No fim de tarde, colava o ouvido na programação esportiva das rádios. Devorei todos os livros de Sérgio Rossi sobre a história da Veterana. Não era apenas um passatempo, a busca por momentos de lazer e diversão nas horas vagas. Era, principalmente, uma fuga para que ocupasse minha cabeça com o futebol e impedisse que a tristeza se aproximasse. “Soccer is life!”

Ao mergulhar no universo pontepretano e viajar com as histórias contadas por meu avô – fã ardoroso de Bruninho, Pitico, Nininho e Bibe – e meus tios, logo conheci a rivalidade do dérbi. E me apaixonei pelo clássico porque ele mantém viva uma das mais ricas tradições de uma cidade que cada vez menos cultiva suas raízes. Um clássico que divide famílias, como a minha, em que o campineiríssimo lado dos “Iamarino” é praticamente todo verde e branco.

Para quem é campineiro da gema, o dérbi é também um símbolo de orgulho. Somos a única cidade do interior do Brasil que mantém uma rivalidade tão grande no futebol e, em que pesem os altos e baixos das tabelas e a violência estúpida, possui dois clubes que ainda conseguem incomodar os gigantes do país. A cada novo clássico, podemos sonhar, ainda que por apenas alguns instantes, com a volta de um tempo em que rivalizávamos como os melhores do país. O dérbi é o combustível que mantém acesa a chama do futebol campineiro e nossa fome por dias melhores.

Ainda hoje, eu me recordo dos primeiros clássicos que acompanhei, primeiro pelas ondas do rádio, deitado ao lado do vô Plínio e fazendo figa para “evitar” que os ataques bugrinos se aproximassem da meta então defendida por Sérgio ou João Brigatti. Eu me lembro com riqueza de detalhes do meu primeiro dérbi in loco, um zero a zero sem graça no Brinco de Ouro, em 1990, mas de muitas aventuras nas arquibancadas. Não esqueço da primeira vitória que assisti, da quebra do maldito tabu de 2002, assim como me arrependo até hoje dos palavrões que disparei contra minha irmã após voltar da primeira derrota em um dérbi e ser questionado sobre como tinha sido o jogo. Duas décadas depois, ainda me emociona lembrar da primeira vez em que toda a família se reuniu para ir ao dérbi e torcer pela Macaca, apenas quatro dias após a morte do vô Plínio, com a consciência tranquila de ele estava feliz por “ver” todos juntos mais uma vez.

Para cada momento de minha vida, sou capaz de lembrar passagens marcantes da Ponte Preta e de relacioná-las com dérbis inesquecíveis. Nos momentos mais difíceis, seja no campo pessoal ou profissional, mergulhei na história alvinegra e na rivalidade do dérbi para ganhar fôlego e seguir em frente. Por isso, nada define melhor o futebol, a Ponte Preta e o dérbi em minha vida do que a frase de abertura deste texto. Não é, nem jamais será, “só futebol”.

(artigo escrito por Stephan Campineiro-Especial para o Só Derbi)