Marinho é vitima de comentário racista. Uma comprovação do racismo estrutural no futebol e a necessidade de discutir o jornalismo esportivo voltado ao entretenimento

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O roteiro é conhecido. Merece ser revisitado. Marinho cometeu ato impensado no jogo entre Santos e Ponte Preta. Foi expulso. Eis que no intervalo da Rádio 97, sediada em São Paulo, o comentarista e chef de cozinha, Fábio Benedetti é inquirido sobre o que falaria ao jogador caso estivesse no mesmo grupo de Whatsapp. A resposta foi: “”Eu vou falar assim: ‘Você é burro, você está na senzala, você vai sair do grupo uma semana para pensar sobre o que você fez.’. Injuria racial. Sem pensar.

Ao perceber o ato inconsequente e injustificável, o chef de cozinha pediu desculpas no twitter. “Fui muito mal… Errei feio, usei uma palavra que nunca deveria, mesmo que sem intenção. Na mesma hora percebi que falei uma grande M, pedi desculpas, mas sei que foi ridículo.”. Um vídeo foi feito por ele no Instagram para reforçar a autocritica e a rádio lhe afastou por tempo indeterminado. O jogador, por sua vez, recebeu solidariedade nas redes sociais e fez um vídeo emocionante em que mostra a dor de uma vitima.

Essa é a evolução dos fatos. Nua e crua. E que abre espaço para realizarmos uma reflexão sobre dois pontos: o racismo estrutural e o jornalismo esportivo que abraça o entretenimento.

Não há como negar: o conceito de racismo estrutural, defendido pelo intelectual Silvio de Almeida fica comprovado de modo cabal. Ou seja, é um ato ou comportamento no qual políticas públicas, práticas institucionais, representações e outras normas funcionam de várias maneiras para perpetuar a desigualdade de grupos raciais”.

Ou seja, uma turma de formandos em medicina só com pessoas brancas é algo considerado normal, não gera escândalo ou espanto em virtude da ausência de negros. Já está normalizado por pontos como desigualdade social e de renda e pelo favorecimento aos brancos.

Quando alguém, por sua vez, profere uma piada ou frase em tom de deboche para depreciar um negro isto em um primeiro momento é considerado normal. Só ganhar ar de escândalo se aparece a lupa das redes sociais e o consequente escândalo.

Ou seja, as teses e as ideias de Silvio de Almeida e de diversos pensadores negros ganham ainda mais respaldo por atitudes como essa feitas pelo chef de cozinha contra o atacante Marinho.

Só que não podemos esquecer a colaboração feita pelo formado pelo jornalismo esportivo voltado ao entretenimento. Relembre o conceito e  a descrição aparece: piadas inconsequentes, gracinhas, gritarias, posturas que resvalam na estupidez e grosseria e uma determinação de querer com que o futebol seja apenas diversão.

Não pode ser tratado como é tratada  a política, economia, cultura e outros temas da sociedade pelo jornalismo. Importa é que a programação faça rir, divertir. Nada de rigidez na apuração das notícias, espirito critico, entre outras características do jornalismo feito com profissionalismo.

Tivemos registro de atos ou cenas de preconceito racial em outros setores do jornalismo? Sim. Basta relembrar as histórias com William Waack e o caso do programa “Em Pauta”, da Globonews,  em que jornalistas brancos comentavam sobre racismo. No dia seguinte, diante da péssima repercussão, a emissora colocou apenas jornalistas negros para debater o assunto.

Nestes episódios fora do jornalismo esportivo, algo é comum: o repudio é imediato. No jornalismo esportivo voltado ao entretenimento, o risco de naturalizar comentários depreciativos contra o negro não é pequeno. E por vezes com respaldo do próprio futebol, que não já oferece espaço exíguo para negros em postos de comando seja a beira do gramado ou nos gabinetes.Detalhe: este jornalismo feito com “gracinha” adora focar em minorias. Hoje foi contra os negros. Daqui a pouco fica contra mulheres, entre outros grupos desfavorecidos.

Queremos combater o racismo no futebol? O  Passo inicial é o jornalismo esportivo assumir integralmente a sua missão de combate as mazelas do futebol. Sem piada. Gracinhas. Com rigor e fiscalização. E defender dia após dia que o negro seja tratado com dignidade e que receba oportunidades em todos os espaços. Não é coitadismo ou mimimi. É postura humanitária. Consciente. Voltada para uma sociedade inclusiva. Sem isso, o racismo estrutural sempre baterá na nossa cara. Infelizmente.

(Elias Aredes Junior)