O primeiro derbi sem meu tio Enoch Aredes, um símbolo de uma Campinas que não existe mais. Uma pena!

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Tinha 13 anos de idade quando passei a estudar na escola estadual Francisco Glicério. Centro da cidade. Escola pública de excelência e foco de experimentações pioneiras na área de educação. Foi ali que forjei minhas primeiras amizades e de vez em quando tinha um programa: caminhar até a banca do Enoch. Ou melhor, tio Enoch. Sorriso fácil, uma tirada na ponta da língua e futebol como cardápio. De preferência, da Ponte Preta.

Foi ali, naquele espaço minúsculo, em frente do ponto de táxi da rua Campos Sales e ao lado do Palácio da Justiça que assistia as primeiras “mesas redondas”. Esqueça, não tínhamos as estrelas que já desfilavam na Rádio Central e na Educadora FM. Os debatedores eram únicos. E diferentes.

Começava por Amadeu, um senhor de aproximadamente 80 anos. Porteiro de um edifício em frente à banca. De péssimo humor, sem papas na língua, era um pontepretano com uma implicância: o meia atacante Binhão, atleta na década de 1980. Bastava pronunciar o nome que já vinha todos os palavrões disponíveis no Aurélio. Existia ainda o Neguitinho. Sorriso fácil, pasta “007” na mão para vender planos de saúde e uma sede infinita para falar do Corinthians. E existia um senhor albino, de barba branca espessa. Seu apelido: papai Noel. Até hoje não sei o seu nome.

As vezes ficava seis ou sete minutos e depois pegava o ônibus no terminal 2, a linha 6.14. Em outros permanecia por horas e horas. Esperava meu tio fechar a banca e subia para pegar a trilha de casa. E radinho colado no ouvido, na ânsia de ouvir a Central Esportiva. Ora com apresentação de Roberto Leite e comentários de Carlos Gonçalves ou Valdemir Gomes  e em outros dias com José Arnaldo e Brasil de Oliveira, a melhor dupla de programa esportivo da história do rádio esportivo campineiro. Insuperáveis.

Minha paixão pelos dérbis cresceu naquela banca. Comprava jornais, revistas e me divirtia com as tiradas e piadas do meu tio. Ora imitava meu pai ou seus irmãos, em outros requisitava para que o motorista de táxi pagasse o boleto na casa lotérica. E se aparecesse o passageiro? Isso é o de menos. O que interessa era falar de futebol, de Ponte Preta, Guarani, dos craques, dos lances que passavam no Fantástico…

A gente cresce, abraça uma profissão, assume outros compromissos e o futebol ás vezes parecia algo fora de propósito. Como virei jornalista e busco especialização na área esportiva, sempre passava na banca. Não só para falar e me divertir com meu tio Enoch como também para sustentar o contato com as ruas, com aquilo que realmente pensa do jogo da bola.

Sábado será diferente. Nostálgico. Meu tio Enoch faleceu em 30 de agosto do ano passado. O último dérbi disputado em 2018 foi em 25 de agosto, no Majestoso e terminou sem gols. Foi o último acompanhado em vida por meu tio.

Não é que a gente concorda. Acostuma-se. Após o seu falecimento, de maneira correta, minha tia, meu primo Juninho e suas filhas decidiram vender o espaço para outro comerciante.

Duro aceitar o fim de uma era. De afeto, de comunhão entre as pessoas e quando o derbi era antes de tudo, o símbolo de uma cidade que do seu jeito formava vínculos, afeto e solidariedade. Esse futebol campineiro não existe mais. Faz falta. Assim como meu tio.

(analise feita por Elias Aredes)

1 Comentário

  1. Bom dia Elias!!
    Somente ontem, através da minha amiga Cristina Siqueira, fiquei sabendo da morte do Enoch! Ele fez parte da minha vida por um bom tempo, pois, até me mudar para os Estados Unidos em dezembro de 1.990, fui frequentadora assidua da banca de jornais, com direito até a pendurar a conta. Pagava depois. Não havia um dia que não passasse na banca. Divertíamos com as nossas diferenças, ele pontepretano e eu bugrina. Um tempo em que a rivalidade entre as duas torcidas era uma uma rivalidade sadia, coisa que infelizmente, nos tempos atuais, não existe mais. Quanta saudade, saber de sua partida, me deixou.