Por que uma corinthiana e um são-paulino clubistas vão torcer contra o Santos na final da Libertadores? Por Helena Pontes e Paulo Yamamoto

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**Helena Pontes dos Santos e Paulo de Carvalho Yamamoto

Não é novidade para ninguém a enorme rivalidade futebolística existente entre os três maiores clubes da capital paulistana. Entre clubistas – pessoas que, independentemente da razão, orgulham-se em defender seus times em absolutamente todas as situações – simpatizar, ainda que minimamente, com qualquer um dos rivais é um pecado imperdoável.

Assim, diante de uma final brasileira na Copa Libertadores entre Palmeiras e Santos, torcedores de Corinthians e São Paulo tendem a – na impossibilidade de torcer para a derrota de ambos os rivais ou de torcer para a vitória da arbitragem – desejar a derrota do arquirrival da mesma cidade (o que não é sinônimo de torcer pelo outro time – mesmo porque “torcer” é uma palavra muito forte). Não que o “bando de loucos” ou tricolores nutram algum bom sentimento pelo time de Pelé e Neymar, muito pelo contrário. Porém, talvez, a distância geográfica do alvinegro da Vila Belmiro ou, mais provavelmente, a maior aversão ao alviverde pesam na hora de assistir um jogo que, bem, convenhamos, iremos assistir.

Mas desta vez não. Apesar de nós dois nos recusarmos a assumir que torceremos para o time que sucedeu o Palestra Itália, a verdade é que desejamos a derrota do Santos Futebol Clube. Se, eventualmente, isso importar na vitória do “verdão”, paciência…

Os jogadores da equipe santista, capitaneados pelo talentoso e carismático goleador Marinho, trazem brilho e promessa de um futuro glorioso para o futebol brasileiro.

Porém, nem o talento, nem o carisma de Marinho e seus colegas ou mesmo a origem proletária do clube são capazes de amenizar nosso total repúdio a figura de Alex Stival, mais conhecido como Cuca, o técnico do Santos Hoje, Cuca desfila pelas câmeras da imprensa nacional com seu jeito manso de falar que compõe, junto de suas camisetas com imagens católicas, sua persona de respeitável homem de bem.

Quem o vê sendo louvado por programas esportivos do país inteiro não imagina (ou esquece) que o extécnico de Palmeiras e São Paulo foi condenado na Suíça por ter participado do estupro de uma menina de 13 anos.

Os fatos são de julho de 1987, quando o Grêmio foi disputar a Philips Cup, torneio amistoso promovido pelo Berner Sport Club Young Boys, time da capital suíça. À época, a imprensa brasileira, sobretudo a gaúcha, tratou de transformar os quatro agressores – além de Cuca, também participaram da ação criminosa o atacante Fernando Luís Castoldi, o zagueiro Henrique Arlindo Etges e o goleiro Eduardo Hamester – em heróis, como denunciaram as antropólogas Carmen Rial e Miriam Pillar Grossi – aliás, aconselhamos vivamente a leitura do artigo.

A Justiça daquele país, após 28 dias de reclusão, permitiu que os jogadores respondessem o processo em liberdade, o qual culminou na condenação dos quatro em 1989. Desnecessário dizer que, estando no Brasil, nenhum deles cumpriu um dia sequer de prisão pela sentença transitada em julgado na Suíça.

Aqui cabe uma advertência: não temos a pretensão de perseguir Cuca ou qualquer outra pessoa acusada ou condenada de qualquer crime. Nem estamos aqui para pedir a prisão de ninguém, acreditamos que a política de encarceramento desempenha no sistema capitalista a função primordial de aprisionar pessoas que façam parte de grupos oprimidos e explorados a fim de facilitar o controle da mão de obra e garantir o rebaixamento de seu valor.

Para nós, o combate a crimes como estupro não pode se dar apenas no campo legal, exigindo investimento em educação que vise a construção de uma sociedade atenta para a igualdade de gêneros e respeito às diversidades.

Daí a importância que o debate sobre esse tipo de caso seja feito de modo sério e visando a superação desse modelo em que vivemos.

Como ressaltou Eliane Alves Cruz numa sociedade que tem como um de seus sustentáculos a violência contra as mulheres, trinta anos pode ser pouco tempo para entender que não há nada de natural em homens agirem de forma tão violenta e desumana.

Naquela época, a maior parte da sociedade e sobretudo a imprensa esportiva se uniu em defesa dos condenados. Ainda que a “cultura do estupro” tenha se mantido, vimos, com o caso Robinho, que os tempos são outros. Não é mais aceitável que jogadores que desprezam a vida de mulheres sejam celebrados por seus feitos dentro de campo, independentemente de suas ações fora dos gramados. Se queremos construir uma sociedade segura e igualitária para nossas filhas, então o exemplo de jogador que admiramos não pode ser o de estupradores.

Mas, se, com toda a razão, rechaçamos Robinho, por que silenciamos em relação a Cuca? Possivelmente o racismo – que costuma andar de mãos dadas com o machismo – ainda tenha seu espaço nessa odiosa equação.

É curioso que, do ponto de vista institucional, todo mundo se diz a favor da igualdade de gênero, tanto assim que, em 2018 o Santos Futebol Clube aderiu à campanha #HeForShe, louvável iniciativa da ONU Mulheres. Porém, tais gestos e palavras bonitas são esvaziadas diante do triste fato de que o time do Santos segue sendo dirigido por alguém que foi condenado por sua participação no estupro de uma menina de 13 anos.

Seria elegante dizer que não temos nada contra o Santos e sim contra o Cuca. Mas, como clubistas que somos isso não é exatamente verdade. Temos aversão ao peixe e ainda mais horror ao porco. Nada disso, no entanto, chega perto da ojeriza que temos aos atos desumanos que Cuca praticou, foi condenado, porém nunca foi responsabilizado.

**Helena Pontes dos Santos é Corintiana, clubista, mestranda em Direito (USP) e servidora pública.
**Paulo Yamamoto é São-paulino, clubista, doutorando em Direito (USP) e advogado.