O dérbi campineiro e os Aredes: herança, histórias e recordações que ficam no coração

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Não lembro da data. Era véspera de dérbi. Marquei uma entrevista com Gilson Kleina. Atuava como repórter do Tododia.  Ficamos em torno de uma hora falando da partida. Ao final, ele me disse: “O seu olho brilha quando fala do clássico”. Declaração que promove uma viagem ao passado.

Ponte Preta e Guarani estão intimamente ligados a minha trajetória e família. Já escrevi anteriormente, mas quero recordar.

Oady, Joel, Elias, Enoch, Francisco e Nabal. Seis irmãos. Todos Aredes. Negros que desembarcaram em Campinas entre o final da década de 1950 e 1960. Queriam vencer na vida. Cada um do seu jeito.

Conseguiram. Oady foi comerciante. Meu pai Elias, Francisco e Joel foram trabalhadores em multinacionais. Nabal, em um caso de superação e destemor formou-se em ciências contábeis na Puc-Campinas e fez a vida em Rondônia. Hoje merecidamente goza de aposentadoria em Lins. Enoch teve uma banca do Largo do Rosário, que por muitos anos foi um ponto de encontro para discutir Ponte Preta e a vida da cidade. Quem não se lembra de Brasil de Oliveira no microfone da Rádio Educadora (hoje Bandeirantes) ou Central bradando aos quatro ventos a sua amizade com “Enoch, que tem uma banca no Largo do Rosário”.

Todos tinham algo em comum: a Ponte Preta foi a porta de entrada para viver e conhecer Campinas. Cresci com meu pai contando da epopeia da final da divisão intermediária de 1965 contra a Portuguesa Santista. Ele estava na arquibancada. “Confusão danada”, era o que recordava sempre. Era são paulino, mas se sentia bem no Majestoso, assim como meu tio Joel. Os outros três não tiveram dúvidas: encamparam a Ponte Preta como paixões. Meu tio Enoch promovia caravanas. E tinho “Quinho” e Nabal não titubeavam e embarcavam na aventura.

Não lembro de nenhuma reunião da família paterna em que se não falava de futebol. Ponte Preta era pauta obrigatória. Dos seis irmãos, Francisco e Nabal estão vivos. São tesouros que guardam boa parte daquilo que aprendi e vivi em relação ao futebol.

No lado materno, as referências são presentes. Irmã do meu avô, a “Tia Natalina” era presença no Majestoso enquanto que meu tio Samuel era alucinado pelo Guarani e por Jorge Mendonça. Apesar da vida modesta, encontrava um trocado para passar pela catraca. Se estivesse vivo teria dificuldades para participar deste futebol elitista e aburguesado.

Faço essa viagem no tempo e pergunto: como virar as costas ao dérbi? Como esquecer que essa partida me ajudou a ser o que sou? Não dá.

Independente da rivalidade saiba de algo campineiro genuíno ou adotado pela cidade: o dérbi lhe ajudou a ser o que é. Isso não pode ser perdido.

(Elias Aredes Junior – Foto: da esquerda para a direita: meus tios Francisco, Nabal e Enoch, este último já falecido. No destaque, o meu pai, Elias Aredes, o sênior)