Especial: como minha filha virou torcedora da Ponte Preta. Por Thiago Varella

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Uma das primeiras coisas que a gente aprende como pai – e acho que como mãe também – é que nem sempre a gente vai ter controle das situações. Quer um exemplo? Minha mulher e eu planejamos a gravidez, mas no primeiro ultrassom soubemos que teríamos gêmeas. Pronto, aí já perdemos o controle.

Quem gosta de futebol sabe da vontade de que os filhos torçam para o mesmo time que a gente. Com quatro anos de idade, Maria Fernanda não podia se preocupar menos com futebol. Ela até diz que é santista, uma sereia da Vila, mas, sinceramente, o esporte está na zona do rebaixamento das suas prioridades.

Maria Thereza, ao contrário, ama futebol. Ela “treina” duas vezes por semana e diz para todo mundo que é craque. Provavelmente, não por culpa da genética paterna. Mas, ao contrário do pai e da irmã, não é santista. E olha que eu me esforço. Comprei camisa, mostrei vídeos, livros e tudo mais, mas a menina encasquetou que é ponte-pretana. E tudo por causa de um rapazinho que mal completou seis anos, o Pedro. Uma graça.

Charmoso que só, nunca pediu para a amiga torcer para o mesmo time que ele. Thereza escolheu sozinha por, nas palavras dela, “gostar muito do amigo”. Pedro, claro, é muito mais interessante do que eu, o pai dela. Qualquer amigo ou amiga criança seria. Mas, óbvio que não me dei por vencido e contra-argumentei: “Ué, você também não gosta do papai?”

Perspicaz, Thereza respondeu: “Gosto, claro, mas podemos torcer juntos para o Brasil, papai.” Touchè. No xeque-mate não tem o que fazer a não ser estender a mão ao adversário.

Aos poucos, Thereza ganhou uma camisa da Ponte do “tio” Denys, o pai do Pedro, também arranjou um livro do time que estava empoeirado num canto qualquer da rádio que eu trabalho. Mas, todos os dias, no caminho para a escola, ela passa em frente ao Majestoso, o estádio do seu time, e me pergunta quando vai conhecê-lo por dentro.

Pois o dia chegou. Com a ajuda do Denys, levei Thereza para assistir Ponte contra Londrina, às 19 horas de uma sexta-feira esquisita de inverno, que começou abafada e, depois de uma pancada de chuva, passou a ser fria e cheia de vento.

Mesmo assim, lá estávamos, eu, Denys, Pedro, Mateus, o primo do Pedro, e, claro, Thereza na arquibancada do Majestoso. Conosco, outros 3 mil e tantos torcedores que, no fundo, pouco se importam que o time não tem um craque, que não tem dinheiro em caixa ou que apresenta um futebol feio.

O amor pelo futebol reúne diferentes histórias. Dos amigos que querem passar um tempo juntos. De crianças que querem apenas brincar. De uma menina de quatro anos que sonhava em entrar naquele estádio.

Thereza entrou e se espantou com o tamanho do local por dentro. Correu para o alambrado e tentou enxergar parte do gramado. Difícil para alguém com pouco mais de um metro de altura. Subimos as arquibancadas e tudo o que ela queria era enxergar melhor o mascote da Ponte: o Gorila, que se apresentava para os torcedores das cadeiras, do outro lado do estádio.

Logo veio a primeira frustração. Onde estava a Macaca? Por que só o Gorila estava ali? Pois é, para qualquer torcedor a frustração é sentimento constante. Antes do apito inicial, já aprendeu uma lição valiosa.

Com o apito, Thereza perguntou: “Não tem ninguém falando junto com o jogo?” Ela estranhou não ter narração no estádio do mesmo jeito que estamos acostumados na TV.

Após apenas dois minutos, o lateral direito da Ponte fez uma rara jogada de craque e entortou o defensor pela ponta antes de cruzar para a finalização certeira de Eliel. Pode gritar gol, Thereza. Nada é mais prazeroso em um estádio do que soltar esse grito.

Dali até o intervalo teve cantos de “Ponte macaca querida amor da minha vida”, batatinha frita, pedido insistente para beber água, corre-corre com os amigos nas arquibancadas, brincadeira de esconde-esconde, dezenas de perguntas não-relacionadas ao jogo e tudo mais que uma criança de quatro anos faria junto com outras crianças. O que rolava no gramado era menos importante. Não a culpo. O jogo estava horroroso mesmo.

No intervalo, Thereza pediu para descer e ver o Gorila de pertinho. Ela se pendurou no alambrado e ficou encantada com as macaquices do mascote.

No segundo tempo ainda deu para comer mais um saco de pipocas, mas com 30 minutos o gás acabou. Thereza se ajeitou no meu colo e ficou observando a Lua e as estrelas antes de pedir para dormir. Com os olhos fechados, nem percebeu o gol de empate do Londrina no finalzinho do jogo, a anulação após análise do VAR e o grito de alívio da torcida, que comemorou mais do que na hora do gol.

Aos 52 minutos, o juiz apitou o fim da partida. Thereza abriu os olhos e perguntou se, enfim, iríamos à casa do Pedro encontrar a irmã gêmea e a mamãe. “Vamos logo, tio Denys”, pediu.

Consigo ensinar para minhas filhas o que é certo. Consigo apresentar para elas o meu gosto. Consigo auxiliar as meninas a encontrarem seu caminho. Mas as escolhas, mesmo tão jovens, são delas.

Obrigado, Ponte Preta por fazer minha filha feliz e por mostrar que, no fundo, o mais importante é que minhas meninas sejam livres. Mesmo que isso signifique torcer para outro time. Essa, com certeza, é só a primeira escolha da vida da Thereza da qual não tenho o menor controle. Sigo santista, mas a Ponte tem todo direito de também fazer parte da minha família.

(Artigo escrito por Thiago Varella- Jornalista-Foto de Marcos Ribolli-Pontepress)