Ditadura Militar e os malefícios gerados ao futebol. E que não podemos esquecer!

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Qualquer pessoa com cidadania deveria ter reservado o dia de domingo para reflexão. A data serviu para relembrar os 60 anos da queda de João Goulart e a ascensão de Marechal Castello Branco como presidente. Foram 21 anos com presidentes militares. Tudo fruto de um golpe que solapou a democracia e tirou um presidente legitimamente eleito. Na época as escolhas de presidente e de vice eram separadas. E João Goulart alcançou o Palácio da Alvorada e o Palácio do Planalto pelo voto.

Esta quebra de regra desencadeou consequências para o futebol, que recebeu uma forte interferência. Começou com a demissão do técnico João Saldanha em março de 1970. O estopim foi um declaração em que Saldanha afirmava que a escalação do time era de sua responsabilidade enquanto que o presidente Médici escalava o ministério. Estava aberta  a porta  de entrada para  Zagallo. A farda passou a influenciar o vestiário.

A saída de Saldanha foi o suficiente para promover uma revolução na Comissão Técnica, pois a maioria de seus componentes tinha patente militar. Os mais conhecidos eram os preparadores físicos Kleber Camerino e Benedito José Beonetti, ambos capitães. A preparação de goleiros era de Raul Carlesso, subtenente. A supervisão técnica ficou com o capitão Cláudio Coutinho, enquanto que o major Roberto Guaranyr, era o responsável pela segurança. Jerônimo Bastos, major-brigadeiro, ficou com a  chefia da delegação.

A vitória no México em 1970, com seis vitórias em seis jogos, deu o respaldo para a continuidade da presença de militares dentro da estrutura do futebol. É bom que se diga: ao contrário do que se propagou ao longo da história, os jogadores não estavam alienados. Jogavam e tinham receio daquilo que poderia ocorrer em caso de derrota, algo admitido por Pelé em documentário presente na Netflix.

Com o fracasso de Zagallo em 1974 e de Oswaldo Brandão como seu substituto, o capitão Cláudio Coutinho ganhou a confiança dos donos do poder e dirigiu a Seleção Brasileira na Copa de 1978, na Argentina. Tudo respaldado pelo então presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), Almirante Heleno Nunes. O saldo final foi o terceiro lugar sem uma derrota e que ficou conhecido como “campeão moral”.

Um dos motivos da Seleção Brasileira de 1982 ter entrado no imaginário popular foi também em virtude daquilo que lhe cercava. O técnico era o civil Telê Santana, que exibia há tempos um futebol vistoso e ofensivo ao contrário do estilo pragmático de 1978. E era o segundo ano de existência da CBF, que estava sob o comando do empresário  Giulite Coutinho. O Brasil perdeu, é verdade, mas dentro do campo provou de que era possível jogar futebol sem ser tutelado pelos militares.

Não foi apenas no gramado que os militares influenciaram com suas medidas e decisões.

Nos 21 anos de ditadura militar, o Governo Federal respaldou a construção de uma série de estádios em que a característica em comum era a de proporcionar grande capacidade de público. Inaugurado em cinco de setembro de 1965, o Mineirão, intitulado de Gigante da Pampulha, recebia públicos acima de 100 mil pagantes. Em Campo Grande (MS), o estádio Morenão foi inaugurado dia 07 de março de 1971. Sua capacidade comportava até 55 mil pagantes. Já o estádio municipal de Uberlândia, o Parque do Sabiá, inaugurado em 27 de maio de 1982, tinha projeção para 70 mil pagantes.

Ao contrário do futebol atual, em que temos duas divisões com 20 clubes cada um, os campeonatos nacionais da década de 1970 eram verdadeiros Trens da Alegria. Tudo para contentar os donos do poder, sustentados pela Arena, o poder ligado ao Governo Federal.

O lema era: “Onde a arena vai mal. Mais um time no Nacional”. A Taça de Ouro de 1979, vencida pelo Internacional (RS), chegou a ser disputada por 94 equipes. Tal falta de critério deste período foi o estopim para o futebol brasileiro entrar em uma crise profunda administrativa, da qual até hoje não conseguiu sair.

Existe um ponto nevrálgico: você tem liberdade plena e total para criticar e apontar defeitos em clubes e federações. Se tivessemos jogadores como Sócrates, Afonsinho, Reinaldo, Wladimir e Casagrande, eles teriam o espaço para denunciar os desmandos do futebol nacional sem medo de represálias.

Só temos essa dádiva porque temos democracia. Falha, com sobressaltos, mas que resiste bravamente aos seus inimigos. E que o futebol soube aproveitar em parte. Que a frase não saia de nossas mentes: Ditadura nunca mais!

(Elias Aredes Junior com foto de Fernanda Luz/Staff Images Woman)