Especial: Zagallo, Parreira, Barbosa e o racismo estrutural que envolve até pessoas com boas intenções

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Moacir Barbosa nasceu em Campinas. Goleiro renomado do Vasco e da Seleção Brasileira. Negro. Faleceu em abril do ano 2000 na Praia Grande. Carregou por anos e anos  a pecha de vilão na decisão da Copa do Mundo de 1950. Morreu absolvido graças ao trabalho de jornalistas como Geneton Moraes Neto.

Isso não lhe eximiu de sofrer o racismo estrutural presente na sociedade brasileira. Uma atitude que, trocando em miúdos, busca normalizar aquilo que é absurdo aos olhos de qualquer pessoa desprovida de preconceito.

Barbosa viveu uma dessas situações as vésperas da decisão entre Brasil e Uruguai, válido pelas eliminatórias da Copa do Mundo. Ele aceitou um convite da BBC para visitar a delegação brasileira em Teresópolis. A meta era fazer uma foto com o então goleiro titular Taffarel.

A partir daí, as versões se desencontram. Reportagens da época e que estão espalhadas pelas redes sociais exibem um Barbosa resignado diante da proibição que teria sido decidida pela comissão técnica. A desculpa seria de que o ex-arqueiro poderia dar azar. Além de Barbosa, só outros dois descendentes negros vestiram a camisa titular de goleiro do escrete canarinho em Copa do Mundo: Manga em 1966 e Dida em 2006.

Junte as peças e você tem evidencias de um clássico de racismo estrutural. Para alguns não. Tanto que o falecimento de Barbosa foi insuficiente para cicatrizar a ferida. Detalhe: Barbosa, Parreira e Zagallo com o passar dos anos negaram que tivesse ocorrido qualquer tipo de bloqueio a visita do arqueiro.

Em entrevista ao Sportv, em 27 de abril de 2013, Solange Guimarães, amigo do ex-arqueiro, contou uma versão diferente. “Aquele dia, acho que foi o pior dia da vida do Moacir Barbosa, porque ele chegou aqui chorando e falando que não esperava de Parreira, que foi quem barrou a entrada dele. Falei para ele deixar para lá. Disse: “Não ‘esquenta’ não, você foi um bom goleiro, é uma boa pessoa. Cada um age de uma maneira, mas você tem amigos em Ramos, sua família. Então, esquece isso, não vai mais lá, procura só as pessoas que te amam de verdade”, disse Solange na ocasião.

Reportagem do Uol publicada em abril desse ano tem descrição de depoimento da filha de consideração Teresa, em que diz que o goleiro foi barrado porque Zagallo disse que caso ocorresse a desclassificação, a culpa poderia recair sobre Barbosa. De novo.

Não há sinal de que Zagallo e Parreira sejam más pessoas. Pelo contrário. Inclusive já tiveram declarações e atitudes contra o racismo. Em 2005, a logo após o incidente entre Grafite e Desábato, no Morumbi, a Seleção Brasileira jogou um confronto contra a Argentina pelas eliminatórias da Copa do Mundo. E a Comissão Técnica então comandada por Parreira tinha apenas Kaká como um jogador branco como titular. E o treinador enfatizou seu compromisso contra o racismo. “Mas, se houver alguma coisa, a punição tem que ser dura. Estamos em 2005, é um absurdo que ainda exista preconceito depois de tudo que já vimos acontecer no mundo”, disse o treinador na época. O time que colocou em campo foi: Dida; Cafu, Juan, Roque Júnior e Roberto Carlos; Emerson, Zé Roberto, Kaká e Ronaldinho Gaúcho; Robinho e Adriano.

Fiz questão de incluir este trecho para dizer algo simples: eu, você, Parreira, Zagallo, qualquer um pode cometer um ato carregado de racismo estrutural sem perceber. Como bem afirma o professor Silvio de Almeida em seu livro “Racismo Estrutural”, o racismo, segundo ele, a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno de patologia o que expressaria alguma forma de anormalidade. O racismo, continuo o professor, fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para as formas de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea.

O ideal seria que Parreira e Zagallo pedissem desculpas pela atitude inconsciente e que se mostrou danosa para a reta final da vida de uma pessoa? Concordo. Só que precisamos ir além. É preciso que cada pessoa vislumbre nesse e outros casos que o racismo estrutural que é uma erva daninha traiçoeira que arrebenta com a autoestima do negro, que arrebenta com sua identidade e que traz mágoa e cisão em uma sociedade já envolvida em uma desigualdade social imoral e que atinge especialmente a comunidade negra.

Que o futebol ajude a exterminar essa chaga. (Elias Aredes Junior)