Ponte Preta e torcidas organizadas: a hora é de reflexão nunca de criminalização!

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Não tenho amigos em torcidas organizadas. Nunca compareci a eventos e atividades. Sequer sei o nome dos lideres das principais torcidas da Ponte Preta. Entretanto, confesso minha reserva em entrar na onda de criminalização a cada registro de confusão ocorrido entre torcedores.

A última foi entre adeptos de São Paulo e Ponte Preta. Logo após um jogo da categoria Sub-20 na terça-feira. O caminho lógico é pedir a prisão dos envolvidos, o fechamento das instituições e viveremos felizes para sempre. Será? É essa história? Tem fundamento?

Não consigo aderir. Prefiro analisar o tema sob um ponto de vista mais amplo e entender porque tais entidades existem e porque seduzem apesar todo os relatos de violência. Não é exercício de filosofia e sim constatação de fatos.

Quando surgiram, no final da década 1960 e durante a década de 1970, essas torcidas eram um espaço político para que os torcedores pobres e sem recursos exercessem a sua cidadania. Apesar de ser um esporte de todos, o futebol sempre foi usufruido por poucos quando o assunto é o exercício do poder. Assim foi no Corinthians com a Gaviões da Fiel. Não é diferente na Ponte Preta e em nenhum clube.

Querem um exemplo? O empresário Lauro Moraes Filho. Deveríamos lembrar que ele foi presidente por três gestões: 1976 a 1979, de 1982-1983; e de 1988-1991. Os dois primeiros mandatos em períodos da ditadura militar. Alguém têm dúvida de que existiam opositores dentro da torcida? Alguém duvida de que as torcidas organizadas existentes nesta época também não serviram de abrigo para aqueles que contestavam a administração em vigor, mas não tinham dinheiro para adquirir um título do clube e participar da vida política? Mesmo que a relação entre as torcidas e a diretoria fosse cordata, as torcidas organizadas era um espaço muito mais acessível para quem desejasse acompanhar e influir nos destinos da Ponte Preta.

Lembrete: nas décadas de 1970 e 1980 frequentar um clube social era um lazer voltado para a classe média. Motivo: o título familiar era muito claro e trazia restrições.

Além da atuação política, as torcidas organizadas, queiramos ou não, assumiram o papel de aglutinação da formação de caravanas e excursões em pontos distantes do país. Sim, eu fico intrigado quando vejo em plena quarta-feira à noite diversas pessoas em estádios pelo Brasil afora presentes para acompanhar a Ponte Preta. Não posso ser louco de ignorar que são essas pessoas são responsáveis por não deixar a Ponte Preta jogar sozinha. Em qualquer dia e horário. Sim, existem figuras individuais, como Totó, já retratado neste Só Dérbi. Não são a maioria.

Agora, em pleno Século 21, os dirigentes e personagens do mundo da bola que tanto querem o fim das torcidas organizadas e abraçaram a causa da elitização do futebol, no fundo concedem força as organizadas. Quem conhece um pouco o Brasil sabe que não deliro.

Pare e pense por um instante. Você é torcedor da Ponte Preta. Tem entre 15 e 17 anos. É apaixonado pelo seu clube, estuda e ainda trabalha para ganhar um ou dois salários minimos por mês. Não fica com o dinheiro. Precisa entregá-lo em casa para ajudar a sustentar a família, cujo os irmãos e os pais vivem em condição precária. Luta pela sobrevivência. Não há como pagar uma televisão por assinatura. Não existem meios de se pagar um programa de Sócio Torcedor. A mensalidade pode fazer falta.

De repente, você encontra um grupo de garotos da sua mesma faixa etária de idade, com sua mesma paixão pela Ponte Preta e que não tem condições de estarem em todos os jogos ou acompanharem a Macaca por todos os cantos. Estes mesmos garotos frequentam um local em que podem falar, sentir, respirar a Ponte Preta 24 horas por dia, sete dias por semana. De quebra se tiver alguma sorte, esta entidade arranja ingressos para você sentar na arquibancada e viver sua paixão de corpo e alma. Apesar da pobreza. Sem contar os problemas enfrentados dentro da sua família. Você não se sentiria tentado com o convite de participar, de se sentir incluído, de ter um valor senão para a sociedade, mas pelo menos para aquele determinado grupo?

Tem confusões? Brigas? Risco de morte? Sim, tudo isso existe. Só que coloque-se no lugar de quem se sente excluído, separado, sem amparo ou participante de qualquer processo.

Apesar dos aspectos negativos – e bota negativo nisso! – ele certamente abre o peito e encara o desafio por entender que vale tudo para viver a sua paixão. Não é romance. Não é ficção. Muitos garotos e adolescentes hoje integrantes de torcidas organizadas da Ponte Preta um dia ou outro tiveram tais sensações.

Por que não entendemos e sequer compreendemos? Por que apenas abraçamos a tese da criminalização? Por que o futebol aos poucos se transforma em um entretenimento seletivo. Quando estamos no topo dificilmente olhamos quem está embaixo.

(análise feita por Elias Aredes Junior)